ÍNDICE:

  1. HISTÓRIA E PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA WALDORF
  2. A IMPORTÂNCIA  DA PEDAGOGIA WALDORF E SEU DIFERENCIAL
  3. O MOVIMENTO WALDORF NO BRASIL
  4. A PEDAGOGIA WALDORF: FUNDAMENTOS E A E.W.  MICHAELIS
  5. ESCOLA WALDORF MICHAELIS: OBJETIVOS 
  6. ANIVERSÁRIO DA ESCOLA WALDORF MICHAELIS
  7. O PROFESSOR WALDORF
  8. ENSINO NÃO PRESENCIAL NA QUARENTENA – A CONSTRUÇÃO DO PROCESSO PEDAGÓGICO DA ESCOLA WALDORF MICHAELIS DO RIO DE JANEIRO 
  9. O BERÇÁRIO WALDORF
  10. O 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA PEDAGOGIA WALDORF + CURRÍCULO ESQUEMÁTICO DO 1º ANO
  11. O RITMO NATAL | PÁSCOA  NA PEDAGOGIA WALDORF
  12. ÉPOCA DA PRIMAVERA E SÃO MICAEL (SÃO MIGUEL ARCANJO) 
  13. ÉPOCA DE PENTECOSTES NA PEDAGOGIA WALDORF
  14. A CRIANÇA DO 2º CICLO DO FUNDAMENTAL (6º AO 9º ANO) E A IMPLANTAÇÃO DO SEGUNDO SEGMENTO DO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS WALDORF
  15. O QUE FAÇO COM ELE (A)?
  16. PALESTRA: CRESCER SAUDAVELMENTE NO MUNDO DAS MÍDIAS DIGITAIS – MICHAELA GLÖCKER
  17. TRANSCRIÇÃO DE TRECHOS ENTREVISTA DE MICHAELA GLÖCKER SOBRE CORONAVÍRUS
  18. DISLEXIA E TDAH PELO OLHAR DA PEDAGOGIA WALDORF
  19. PEDAGOGIA DA EMERGÊNCIA
  20. A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL: 4ª CONFERÊNCIA DE RUDOLF  STEINER
  21. ECONOMIA VIVA: SOBRE A DOAÇÃO 
  22. PALESTRA: INFLUÊNCIA DO MUNDO DIGITAL NA CRIANÇA  – DARLAN SCHOTTZ 
  23. CURRÍCULO DO 5º ANO WALDORF: JOGOS GREGOS
  24. FUNDAÇÃO DO JARDIM-ESCOLA MICHAELIS – RODA DE CONVERSA COM SUA PRIMEIRA PROFESSORA, PAULA LEVY – RESUMO LIVRE
  25. FUNDAÇÃO DO JARDIM-ESCOLA MICHAELIS – RODA DE CONVERSA COM SUA PRIMEIRA PROFESSORA, PAULA LEVY – TRANSCRIÇÃO INTEGRAL
  26. OS BENEFÍCIOS DOS CONTOS DE FADAS AOS OUVIDOS E ALMA DOS PEQUENOS
  27. AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO SOB A PERSPECTIVA ANTROPOSÓFICA 
  28. VIVÊNCIA DE PÁSCOA – RAMO RUDOLF STEINER
  29. PALESTRA: PRONTIDÃO PARA ALFABETIZAÇÃO
  1. HISTÓRIA E PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA WALDORF

“A cosmovisão materialista tem interesses que se desviam do ser humano, que desenvolvem nos educadores uma imensa indiferença em relação às emoções anímicas íntimas do ser humano a ser educado”. Rudolf Steiner. Fonte: GA 308, palestra de 8/4/1924.

No dia 27 de fevereiro de 1861, há 159 anos, nascia Rudolf Steiner (1861-1925). Filósofo, educador e artista, Steiner foi o idealizador da antroposofia, da pedagogia Waldorf, da agricultura biodinâmica, da medicina antroposófica e da euritmia (arte do movimento que procura tornar visível a música e a fala). 

A primeira escola Waldorf foi fundada em 1919. Esta pedagogia foi desenvolvida a partir do duro contexto do continente europeu à época da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Num movimento de renovação das orientações para reconstrução da Europa, Rudolf Steiner proferiu uma série de palestras sobre a trimembração do organismo social para os trabalhadores de uma fábrica de cigarros chamada Waldorf Astória, em Stuttgart, na Alemanha. Emil Molt, diretor dessa fábrica, um entusiasta da trimembração social, foi quem o convidou. Em 23 de abril de 1919, Molt leva a Steiner o desejo de seus funcionários de que se crie para seus filhos uma escola segundo os preceitos da antroposofia, o que seria uma pedagogia compatível com as verdadeiras necessidades da humanidade. A partir dessa vontade, Molt pede então ajuda a Steiner para construir uma pedagogia baseada na antroposofia, o que impulsionou a posterior criação da primeira escola de pedagogia antroposófica, batizada com o nome da fábrica. 

A principal inquietude de Steiner como educador estava na perda da capacidade de percepção suprassensível do ser humano a partir da sua visão compartimentada ao acumular as transformações materialistas ao longo dos quatro séculos anteriores (ao século XX) e à ampla crise econômica e humanitária vigente devido à guerra. 

A alternativa de Steiner a essa encruzilhada, que nos torna cada vez menos amorosos e mais egoístas, está na proposta de uma profunda renovação da estrutura social através de uma cosmovisão espiritualista que alie a fé e a ciência através de uma fenomenologia sensível. Para tanto, os educadores devem ajudar os infantes a cumprir sua formação humana e sua missão terrena perguntando-se sobre o que está predisposto em seus seres e o que ainda pode ser desenvolvido para que eles assim se desenvolvam em liberdade de forma plena – fazendo o mesmo em relação a si próprios através da autoeducação. 

Nos contextos escolares das escolas antroposóficas, as questões e conflitos são abertos e enfrentados pelo corpo coletivo dos profissionais junto aos familiares dos alunos, dentro dos princípios republicanos e democráticos. Elas não preparam para a competitividade, pois consideram que cada um deve chegar ao “seu lugar” e não estão a serviço do mercado, mas do desenvolvimento integral do ser humano e de um futuro social mais saudável.

As gerações que chegam estão pedindo mais do que ser funcionais no contexto socioambiental entrópico em que vivemos. Assim, a pedagogia Waldorf oferece um modelo de currículo que pode ser considerado vivo e dinâmico, que resguarda as possibilidades e limites de cada fase de desenvolvimento e que tem como norte o desenvolvimento global do indivíduo integrado à natureza. Para essa abordagem, o ser humano não está determinado exclusivamente pela herança e pelo ambiente, mas também pela resposta que do seu interior é capaz de realizar, de forma única e pessoal, a respeito das impressões que recebe. Por seu repertório de predisposições e capacidades que, ao longo de sua vida, lutam por desenvolver-se.

O método alicerça-se na convicção de que o conhecimento de si e cultural amplo fazem cada aluno chegar com mais segurança ao seu lugar ao seu ofício; ao raciocínio de cada campo de conhecimento; ao senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido; ao senso ético daquilo que é belo e moralmente correto. 

Portanto, observando e respeitando as diferenças individuais, o método visa facilitar o processo de descoberta das capacidades e realização do potencial de cada aluno. Segundo a Sociedade Antroposófica no Brasil (www.sab.org.br) “é preciosíssimo que professores e pais saibam das responsabilidades diante do ser humano e também das contribuições que fazem num nível maior para toda a humanidade”. 

“O que faço, como professor, na criança em idade escolar, penetra profundamente na natureza física, psíquica e espiritual. Muitas vezes, por décadas, isso atua de certa forma por baixo da superfície e vem à tona de modo bem peculiar décadas depois, às vezes no fim da vida da pessoa, sendo que foi implantado nela, como germe, no início de sua vida. Só podemos atuar corretamente na criança pequena quando olhamos não só para ela, mas sim quando consideramos toda a vida humana, num verdadeiro conhecimento do ser humano”. Rudolf Steiner. Fonte: GA 308, palestra de 8/4/1924, pp. 13-14

  1. A IMPORTÂNCIA DA PEDAGOGIA WALDORF E SEU DIFERENCIAL 

As escolas Waldorf estão a serviço de um futuro social mais saudável. Elas trabalham para que cada aluno chegue ao “seu lugar”, não para a competitividade. Para isso, ela resguardam as possibilidades de cada fase do desenvolvimento sem apelar à intelecção precoce e à automação – a partir da convicção de que as faculdades humanas devem ser estimuladas pelas interações humanas e pelas respostas que o ser humano é capaz de realizar, de forma única e pessoal, a respeito das impressões que recebe. 

No Ensino Infantil, a pedagogia cultiva o desejo da criança pré-escolar de se movimentar e de ganhar controle sobre seu corpo, num ambiente seguro e acolhedor,  com a mesma conformação de sua casa. 

No Ensino Fundamental e Médio, procura-se despertar as predisposições e capacidades que buscam desenvolver-se no aluno através do conhecimento de si e dos domínios culturais, científicos e artísticos amplos, encorajando cada um a chegar com mais segurança ao senso prático e ético daquilo que é belo, bom e verdadeiro.

O método alicerça-se integralmente na profunda consciência dos educadores sobre a necessidade de sua autoeducação permanente e sua influência na natureza física, psíquica e espiritual da criança em idade escolar.

 

  1. O MOVIMENTO WALDORF NO BRASIL

A Pedagogia Waldorf é praticada mundialmente desde 1919 e é considerada pela UNESCO modelo de pedagogia capaz de responder aos desafios educacionais do nosso tempo, principalmente nas áreas de grandes diferenças culturais. Com 100 anos de existência completados em 2019, 1100 escolas federadas e 2.000 jardins de infância em mais de 80 países, nos cinco continentes, o movimento vem ganhando força através do engajamento de pais, professores e simpatizantes, motivados pelos efeitos benéficos da atuação pedagógica e dos princípios antroposóficos de reconexão do homem à natureza.

No nosso país, houve crescimento de cerca de 200% das escolas Waldorf  nos últimos dez anos. Com um percurso de 60 anos no Brasil, hoje elas formam uma rede de 88 escolas filiadas à Federação de Escolas Waldorf do Brasil. Duzentas instituições vêm sendo atualmente acompanhadas pela Federação, somando 288 iniciativas Waldorf em 21 estados brasileiros. Deste total, 15 são escolas sociais ou parcerias público privadas. Este movimento educacional reúne mais de 17.200 alunos e cerca de 1.700 professores habilitados em um dos 20 centros de formação em Pedagogia Waldorf distribuídos pelo país. Ao todo, temos:

  • 14 escolas que vão até o 12º ano;
  • 16 até o 8º ano;
  • 48 até o 5º ano;
  • 200 jardins de infância e cerca de 10 novas iniciativas se preparando para iniciar suas atividades em 2020.
  • 20 centros de formação e mais de 15 formações continuadas de professores Waldorf realizadas a cada ano em todo o país.

Fonte: FEWB/2019 (Dados fornecidos no evento comemorativo dos 21 anos da Federação das Escolas Waldorf do Brasil – São Paulo, 26 de outubro de 2019)

  1. A PEDAGOGIA WALDORF: FUNDAMENTOS e a E. W. MICHAELIS

Waldorf é o nome da pedagogia criada em 1919, pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). A primeira escola foi fundada na cidade de Stuttgart, na Alemanha e, ano a ano, o número de instituições Waldorf pelo mundo só cresce desde então. Hoje, já são cerca de 1.100 escolas e 2.000 jardins de infância em mais de 80 países, nos cinco continentes.

É considerada pela UNESCO o modelo de pedagogia capaz de responder aos desafios educacionais do nosso tempo, principalmente nas áreas de grandes diferenças culturais. Completando 100 anos de existência, o movimento ganhou força pelo engajamento de pais, professores e simpatizantes, motivados pelos efeitos benéficos da atuação pedagógica e dos princípios antroposóficos de reconexão do homem à natureza.

As gerações que chegam estão pedindo mais do que ser funcionais no complexo contexto sócio-ambiental em que vivemos. A Pedagogia Waldorf oferece um modelo de currículo que pode ser considerado vivo e dinâmico, que resguarda as possibilidades e limites de cada fase de desenvolvimento e que tem como norte o desenvolvimento global do indivíduo integrado à natureza.

Para essa abordagem, o ser humano não está determinado exclusivamente pela herança e pelo ambiente, mas também pela resposta que do seu interior é capaz de realizar, de forma única e pessoal, a respeito das impressões que recebe. O homem, ao nascer, é portador de um potencial de predisposições e capacidades que, ao longo de sua vida, lutam por desenvolver-se.

O método alicerça-se na convicção de que o conhecimento de si e cultural amplo fazem cada aluno chegar com mais segurança ao seu lugar de aprofundação, ao seu ofício; aos silogismos de cada campo de conhecimento; ao senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido; ao senso ético daquilo que é belo e moralmente correto. Na educação infantil, respeita-se o tempo de brincar e de explorar o mundo da primeira infância, sem precipitar a sua intelecção.

Portanto, respeitando as diferenças individuais e o tempo da infância, a pedagogia visa facilitar o processo de descoberta das capacidades e realização do potencial de cada aluno a partir das disciplinas exigidas pelo Ministério da Educação, da BNCC, de acordo com a Política Nacional de Educação e das disciplinas complementares, com foco nas especificidades Waldorf e com base na Antroposofia.

 

A Escola Waldorf Michaelis, com 27 anos de existência (referência: 2020), é uma das 1100 Escolas Waldorf existentes no mundo e uma das 30 escolas brasileiras associadas à Federação de Escolas Waldorf do Brasil. Cada escola aprofunda e adapta o sólido escopo da metodologia pioneira de Rudolf Steiner as suas realidades locais. A escola Michaelis tem percurso fundamentado e tradição na cidade do Rio de Janeiro, sendo a única instituição federada e que ministra Ensino Fundamental I nesta cidade.

Durante seu percurso, vem sendo construídas as condições de crescimento paulatinas, sustentáveis e consistentes. Há o compromisso, hoje, com cerca de 120 famílias. Após consolidar sua competência no primeiro ciclo do fundamental, que desde 2009 graduou cinco turmas baseadas na Pedagogia Waldorf no Rio de Janeiro, a escola prepara-se para estabelecer o segundo segmento rumo à integralização da formação do jovem com a implantação do ensino médio.

 

  1. ESCOLA WALDORF MICHAELIS: OBJETIVOS 

Com 27 anos (referência: 2020) de trajetória, a Escola Waldorf  Michaelis, uma das principais difusoras da Pedagogia Waldorf e da Antroposofia no Rio de Janeiro e no Brasil, direciona suas intenções educativas no sentido de:

  • Proporcionar desenvolvimento gradativo e saudável, sem apelo à intelecção precoce.
  • Possibilitar a vivência da infância em sua singularidade e capacidade de realização.
  • Oferecer um currículo que respeita a maturidade dos educandos para receber os conteúdos apropriados para cada idade considerando as leis dos setênios que regem as fases do desenvolvimento humano.
  • Trabalhar o processo de aprendizagem através do despertar dos sentidos de forma que a criança, com sua vontade, com seu agir e com seu sentir perceba, ela própria, as leis que regem a sua existência
  • Propiciar, a partir do tripé “querer, sentir, pensar”, a aquisição do pensar autêntico, autônomo e saudável, que a fará ser capaz, por si própria, de dar sentido e direção à sua vida a cada momento.
  • Facilitar para que os desafios se apresentem naturalmente, dando vazão à criatividade de cada um.
  • Promover a conquista da liberdade em interação com o mundo em meio às regras institucionais, relacionais e sociais, de forma que seja cultivada a possibilidade de compreensão autônoma dos fenômenos que regem o fluxo dos acontecimentos humanos.
  • Viabilizar as possibilidades dos sujeitos serem capazes de concretizar suas ideias de maneira criativa, colaborativa e realizadora em todos os seus períodos biográficos, sejam os alunos, os educadores familiares, os educadores docentes ou os educadores de apoio atuantes na instituição, transformando seus meios sociais.
  • Fomentar que a intenção educativa seja vivenciada pelos adultos através do processo de autoeducação e do compartilhamento da gestão da organização escolar sem fins lucrativos.
  • Propiciar a prática social baseada na pluralidade e na diversidade, no exercício do diálogo e do instigamento ao debate para se chegar ao consenso na integração das concordâncias e discordâncias.
  • Estabelecer que através dos processos sociocráticos haja a inclusão permanente de seus membros: adultos e crianças.

Segundo a Proposta Educacional Waldorf disponibilizada às escolas pela Federação das Escolas Waldorf do Brasil (FEWB): “Todo processo vivo de  aprendizagem deverá necessariamente respeitar e fomentar um ritmo adequado. A Pedagogia Waldorf considera fundamental a alternância sadia e equilibrada entre concentração e expansão, entre atividade intelectual e prática, entre esforço e descanso, entre recordação e esquecimento. Assim se planeja o mais cuidadosamente possível, a partir desse ponto de vista, tanto a prática educativa anual, mensal, semanal e diária, como também cada uma das horas de aula, a fim de conseguir o ritmo adequado às fases de compreensão, assimilação e produção da aprendizagem” (http://www.fewb.org.br/).

  1. ANIVERSÁRIO DA ESCOLA WALDORF MICHAELIS

Comemoramos no dia 29 de setembro a festa de Micael e o aniversário de nossa escola, de nome Michaelis em homenagem a este arcanjo, cujo nome deriva de Miguel – de origem hebraica Mikha’El que significa “que é como Deus”.

O Arcanjo Micael vem nos trazer o impulso da coragem para crescermos e amadurecermos, buscando respostas para fatos e situações da nossa vida. Micael traz à mão a espada de ferro, elemento que corre em nosso sangue e nos confere atuação e coragem. Segundo Rudolf Steiner, “o contrário do medo não é a coragem, mas o amor. Coragem é o coração agindo em nome do amor”. 

A festa de Micael é precedida pela chegada da primavera, que floresce as sementes internas que acalentamos durante o inverno.

  1. O PROFESSOR WALDORF

“Em realidade, na escola não devemos aprender para saber, mas devemos aprender para sempre podermos aprender com a vida.” Rudolf Steiner. GA 305, 16/8/1922.

Os pilares da formação do pedagogo Waldorf estão na autoeducação, no conhecimento profundo do ser humano à luz da Antroposofia, no amor como base do comportamento social professor/aluno e no desenvolvimento das qualidades artísticas. 

Nesse sentido, este educador transmite muito mais através do que ele é, faz e articula entre os saberes do que através do que ele sabe efetivamente; através do que vivifica em si a criança e a fantasia juntamente com o ser maduro; através do que vivencia da essência das qualidades de um artista de forma ampla e em sala de aula; através do princípio de não pactuar, enfim, em seu íntimo, com qualquer inverdade. O professor Waldorf deve manter-se fiel à sua missão educadora, não obstante todos os percalços que enfrenta na lida escolar. A sua autodisciplina funda a severidade amorosa e a autonomia do ato educativo, ensejando a autodisciplina, a autonomia e a liberdade do aluno.

“[…] nosso ensino será o melhor possível se a cada manhã entrarmos na classe trêmulos e hesitantes, e se no fim do ano dissermos a nós mesmos: ―Foi você quem mais aprendeu durante todo esse tempo. (…) No fim do ano escolar, podemos dizer-nos: ―Sim, só agora você sabe o que deveria ter feito! Trata-se de um sentimento bem real. Nisto reside um certo segredo. Se no início do ano escolar os Senhores possuíssem todas as capacidades que agora possuem, seu ensino teria sido ruim. Os Senhores ministraram um bom ensino por terem aprendido à custa de um esforço! Pensem nisso — preciso apresentar-lhes este paradoxo —: os Senhores educaram bem por não saberem o que só aprenderam no fim do ano; e porque teria sido prejudicial se, no início do ano, já soubessem o que aprenderam no fim […]”

STEINER, Rudolf. Antropologia meditativa: Contribuição à prática pedagógica. Quatro conferências proferidas em Stuttgart (Alemanha), de 15 a 22 de setembro de 1920. Tradução: Rudolf Lanz. 

  1. ENSINO NÃO PRESENCIAL NA QUARENTENA – A CONSTRUÇÃO DO PROCESSO PEDAGÓGICO DA ESCOLA WALDORF MICHAELIS DO RIO DE JANEIRO 

“Não há, basicamente, em nenhum nível, outra educação que não seja a autoeducação. […] Toda educação é autoeducação, e nós, na verdade, como professores e educadores, somos, em realidade, apenas o entorno da criança educando-se a si própria. Devemos criar o mais propício ambiente para que a criança eduque-se junto a nós, da maneira como ela precisa educar-se por meio de seu destino interior”. Rudolf Steiner – GA 306, palestra de 20/04/1923 

Querida comunidade da Escola Waldorf Michaelis, 

Estamos na sétima semana de quarentena e gostaríamos de dizer o quanto estamos com saudades da escola, do dia a dia com tantas trocas com familiares e funcionários, das descobertas inerentes às atividades coletivas, do ritmo e, sobretudo, do convívio diário com as crianças! Com a eclosão da pandemia tivemos de nos adaptar rapidamente para construir, dentro das realidades do nosso corpo docente e das famílias, uma nova forma de atuação enquanto corpo escolar. Temos muitos desafios… Certamente o maior deles é o fato de não estarmos presentes na frente da criança. O EU do professor, com sua presença física é insubstituível por qualquer recurso tecnológico. É o elemento imprescindível para a aprendizagem humanizada a qual tanto defendemos. O isolamento social está não apenas desafiando a nós para a construção de um modelo pedagógico no qual o processo de ensinoaprendizagem possa ser feito remotamente, mas está, sobretudo, colocando vocês, pais e demais educadores, como protagonistas, atuando no papel de mediadores das atividades escolares das crianças. Gostaríamos de compartilhar com vocês como estamos construindo esse novo modelo para contemplar um momento tão peculiar, fundamentados na Antroposofia, na Pedagogia Waldorf e nos estudos do corpo docente da Michaelis. De acordo com a Pedagogia Waldorf, o processo de educação precisa proporcionar vivências concretas do mundo para a criança; o que exige sentidos sensoriais despertos. Estes últimos são os veículos para alcançar a aprendizagem da criança, a qual está em pleno desenvolvimento do corpo físico, da maturidade das emoções e da construção do pensar próprio, com capacidade reflexiva. Dentro dessa perspectiva, os recursos tecnológicos devem ser vistos com muita atenção e cautela, como veremos mais detalhadamente abaixo. Educação Infantil A criança aprende quando se vincula fisicamente com outro ser humano: tanto com os professores, quanto com seus educadores. Essa presença física é essencial na medida em que é verdadeira e viva. Quando a criança se relaciona com outro ser vivo, ela não vê apenas uma imagem: ela sente o cheiro, o calor (físico e anímico), o tato, percebe o movimento e vê com nitidez a expressão corporal… Quanto menor é a criança, mais ela tem essa necessidade. Os bebês querem tocar em tudo! Assim ocorre também com brinquedos, objetos, canções e histórias. O corpo está em foco e as histórias, por exemplo, precisam de gestos para serem realmente significativas. Além disso, existe algo percebido (inconscientemente) pelas crianças que vai além do físico: o nosso etérico, a nossa vitalidade – e isto nunca conseguiria chegar através de um contato virtual. Muito pelo contrário! Quando estamos na presença física da criança, doamos nossa vitalidade para ela. Não é à toa que ficamos tão cansados, não é? Já se colocamos a criança em frente a uma tela, esta última suga a sua vitalidade. Nós ficamos cansados quando passamos horas em frente ao computador, certo? Mais do que quando lemos um livro ou fazemos uma caminhada. Imaginem isso para uma criança! De frente para a tela, a criança fica parada, inativa. Este é um ponto fundamental! A criança do primeiro setênio está focada no desenvolvimento de quatro sentidos: o tato, o sentido vital, o sentido do movimento e o sentido do equilíbrio. Todos eles são intrinsecamente relacionados à atividade corpórea e à nutrição, tanto de nutrientes físicos quando de afetos. A maioria dos aprendizados da criança está em movimentar o corpo, em mexer com as mãos, em brincar. Ela aprende a partir do que vivencia e do que interage fisicamente, sobretudo imitando e criando a partir dessas vivências. Como descrito pelo Dr. Valdemar Setzer, professor de Ciência da Computação da USP, ao colocar uma criança em frente a uma tela, ela trabalha apenas o sentido da visão e da audição e, mesmo assim, de forma parcial. É bem diferente ouvir uma voz (e uma canção) ao vivo e escutar uma reprodução em um dispositivo de áudio. Ao vivo, ela emana calor e vida. Não foi submetida aos processos de codificação/decodificação, compactação nem de transposição para um auto falante – o qual, evidentemente, difere do nosso aparelho fonético. Nós, adultos já desenvolvemos os sentidos e o intelecto, e pouco notamos essas diferenças. Mas, para as crianças pequenas, é completamente diferente. Mesmo que também não notem conscientemente, elas ficam mais sensíveis às mudanças supracitadas. Da mesma forma, podemos considerar que o tempo no qual elas passam em frente à tela é uma experiência comprometida em termos sensoriais, corporais e até cognitivos; já que também se trata de uma mera representação de algo real que, de fato, não está ali perante a criança. O que está diante dela é uma tela composta de pixels coloridos, produzidos a partir de combinações de zeros e uns, os quais constituem a linguagem de programação dos dispositivos eletrônicos. Estes estímulos, ocasionados por algo não pertencente à natureza, impactam negativamente nos pequeninos órgãos sensoriais, ainda em fase de desenvolvimento. Assim, querer que a criança tenha aprendizagens sobre o mundo real através das mídias eletrônicas e virtuais, seria como desejar desenvolver o seu paladar para frutas a partir de sucos em pó, igualmente artificiais. O estudo do desenvolvimento infantil diz ainda mais sobre o uso das mídias eletrônicas: não se trata apenas de uma experiência sensorialmente comprometida, mas também de um retrocesso em relação àquilo que a criança já adquiriu, pois acaba distanciando-a da realidade e de sua corporalidade. A criança precisa interagir com o natural, aprender com elementos concretos. O mundo virtual não é dotado de vida, é totalmente abstrato, além de costumar trazer imagens e conceitos prontos para ela, inibindo, portanto, seu pensar imaginativo. Nosso objetivo não é “demonizar” tais ferramentas. Estamos apenas fazendo ressalvas quanto à utilização das tecnologias por crianças, por ainda estarem com sua sensorialidade e cognição em desenvolvimento. Pois, quanto mais forem expostas a elas nesse período de desenvolvimento, mais prejuízos comportamentais, emocionais e de aprendizagem poderão ser observados como consequências dos (des)estímulos sensoriais propiciados por esses meios artificiais. Embasado nessas premissas, o corpo docente do infantil, alinhado com as considerações da Federação das Escolas Waldorf do Brasil (FEWB), optou por não colocar as crianças de frente para as telas. Muitas famílias nos contam que as crianças estão sentindo saudades das professoras, dos colegas, do tanque de areia, do escorrega, do balanço… Que ótimo! É esta lembrança que queremos preservar para que, no retorno, elas estejam plenas de vontade de um verdadeiro reencontro. Como buscamos apoiar as famílias neste momento? Desde o princípio do isolamento, o corpo docente tem feito reuniões semanais para encontrar formas de estar mais próximo às famílias neste momento tão delicado. Para a leitura dos pais, estamos enviando materiais de época a cada mês, falando um pouco sobre o nosso ritmo, os sentidos da época, e sugerindo canções, histórias, “brincadedos” (brincadeiras de dedos), receitas e outras atividades. Além disso, cada professora vem se comunicando por telefone ou reuniões online com cada família, buscando um contato maior para atender a necessidades mais específicas de cada criança. Recentemente, a partir de sugestões das famílias, começamos um grupo de estudos com encontros quinzenais com as famílias do maternal e do berçário para falar sobre a Pedagogia Waldorf. Observamos que tais ações têm gerado bons frutos, fortalecendo a nossa união. Estamos abertos a sugestões e conversas sobre cada um desses processos, sempre avaliando a saúde física e emocional da criança. Ensino Fundamental Desde a primeira semana de quarentena nós continuamos com as reuniões docentes, ainda que sem saber por quanto tempo essa situação se estenderia. Também não tínhamos ainda o decreto da Secretaria Estadual de Educação orientando acerca do ensino não presencial; o que só se deu dias depois. Ao longo desses primeiros dias, enviamos sugestões de atividades para serem feitas em casa, buscando alimentos que trouxessem às famílias e crianças um pouco de ritmo, alegria e acolhimento. A partir da terceira semana de quarentena, nos organizamos para a entrega do material das crianças que estava na escola e iniciamos o envio de tarefas semanais, seguindo o planejamento pedagógico. Estudamos a melhor forma de fazer as atividades chegarem às crianças, considerando as particularidades de cada turma. Entendendo que as crianças dessa idade precisam da presença física de um adulto, decidimos enviar as atividades através dos familiares responsáveis para que estes orientassem as crianças a partir da proposta pedagógica elaborada pelos professores de classe e de matéria. Toda a limitação espacial, a ausência física do professor, dos colegas de turma e a falta dos recursos pedagógicos que constituem o ambiente escolar fazem com que o planejamento seja adaptado a um contexto totalmente novo. Estamos considerando também, além das especificidades das turmas, as particularidades de cada criança. Por meio das reuniões semanais com os pais estabelecemos um canal de comunicação e de troca com as famílias. É um momento de retorno das atividades, de saber como estão as crianças em casa, de tirar dúvidas e também para estudar. Optamos também por fazer algumas gravações de áudio para as crianças, com canções e histórias que pudessem aproximar o(a) professor(a) do(a) aluno(a). Como forma de estreitar as relações dos professores com as crianças dentro da quarenta, decidimos passar a fazer ligações telefônicas semanais para elas. Esses telefonemas têm sido bálsamos de alegria e energia nesse momento, tanto para elas, quanto para nós! Uma outra maneira que nós professores temos para nos comunicar com nossos alunos, mesmo à distância, e que continuamos a praticar mesmo após a quarentena, é o da meditação noturna sobre cada criança. A conexão do professor com a criança por intermédio do mundo da noite constitui parte da tarefa do professor Waldorf e tem o objetivo de fortalecer o vínculo com ela, conhecê- la melhor, ajudá-la em seu desenvolvimento e assim melhor conduzir o processo educacional. Algumas famílias nos perguntam o porquê de não optarmos por ferramentas e plataformas tecnológicas. São questionamentos sempre levados para o grupo, discutidos e reavaliados semanalmente. Por razões brevemente dissertadas neste documento, não acreditamos ser adequado para as crianças dessa faixa etária o uso de tecnologias. É muito importante que, antes do contato com as ferramentas tecnológicas, as crianças tenham um percurso de experiências reais, para desenvolverem as habilidades necessárias que proporcionem melhor compreensão e autonomia para manusear esses recursos adequadamente, quando chegarem à idade verdadeiramente propícia. É nocivo ficar olhando a tela de um computador ou celular. A luz constante provoca ressecamento da vista, cansaço e desgaste físico, além da inibição da produção dos hormônios do sono, entre outros. A imagem que se vê através da tela não substitui a presença física, cria uma ilusão de presença. Para ser real é preciso que os sentidos estejam despertos, o que só é possível a partir da possibilidade do tato, do afeto que se produz a partir da experiência dos sentidos e da energia que todos nós transmitimos, por sermos seres dotados de eletromagnetismo (e outras forças mais sutis). As crianças do segundo setênio estão em pleno desenvolvimento das suas emoções. A capacidade criativa, que é possibilitada pela imaginação, se restringe ao olhar para a imagem da tela, na qual se apresentam elementos totalmente prontos, fechados em si, privando a criança do acesso à sua parte imaginativa / sensível /expressiva / criativa. Apesar de tudo o que temos falado sobre o virtual, entendemos as necessidades que surgem para o ensino remoto e, com parcimônia, temos utilizado alguns recursos tecnológicos que normalmente não adotamos na escola. Temos também nos debruçado sobre isso dia após dia ao avaliar, com objetividade, bom senso e presença de espírito os retornos recebidos pelas famílias e, principalmente, tendo em vista os contatos semanais com as crianças. Em contrapartida, precisamos observar a Lei Pedagógica de Rudolf Steiner (Steiner, R. Curso Pedagogia Curativa, 2ª Ed, 2019, p. 24), segundo a qual os corpos dos adultos atuam diretamente nos corpos imediatamente inferiores das crianças. Conforme essa lei, a atuação dos adultos próximos é fator determinante no desenvolvimento da criança em todos os níveis: corporal, vital, anímico e espiritual. Como não podemos, nós professores, ser esse Eu fisicamente presente perante os alunos neste período de pandemia, os familiares precisam exercer esse Eu também durante o processo educacional. Daí a necessidade dos adultos que vivem com as crianças agirem com presença, serem ativos e, sobretudo, estarem atentos para a autoeducação. Nessa atuação importa mais a qualidade da presença do que a quantidade. Uma história lida ou contada pela voz da mãe, pai ou irmão tem um valor inestimável. Somos extremamente gratos por essa parceria com voces, pais e responsaveis. Entendemos que os recursos pedagogicos utilizados até o momento (cartas, audios, historias, ligaçoes) tem atendido a nossas expectativas pedagogicas dentro do cenario atual, e que os mesmos so tem sido possiveis de serem efetuados porque temos voces como interlocutores e educadores ativos! Entretanto, queremos mais uma vez dizer que estamos abertos e atentos as mudanças e ajustes que se façam necessarios para garantir a saude das crianças e de voces familiares, assim como a do corpo docente, e a realizaçao de uma educaçao viva e permeada de arte e beleza. 

 

Bibliografia consultada: Fórum Internacional do Movimento da Pedagogia Waldorf (antigo Círculo de Haia) [orgao criado pela Seçao Pedagogica do Goetheanum para apoiar a cooperaçao internacional entre as instituiçoes que trabalham com a Pedagogia Waldorf ao redor do mundo]. 

Dez Principios para a Educaçao no Mundo Digital. Documento online. Site: https://www.fewb.org.br/ Idem. Telas e dispositivos digitais – Navegando nas ondas da tecnologia para uma infância saudável. Setzer, Valdemar. 

Meios Eletrônicos e a Educação: Uma visão alternativa. Documento online. Site Usp: https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/ Steiner, Rudolf. 

A Prática Pedagógica. 2ª Ed., Editora Antroposófica, São Paulo, 2013. Idem. Curso Pedagogia Curativa, 2ª Ed., FETTS, São Paulo, 2019. p. 24 (Sobre a Lei Pedagógica de Steiner) Stirbulov, Sandra e Laviano, Rosemeire. 

A Arte de Educar em Família: os desafios de ser pai e mãe nos dias de hoje. São Paulo, All Print, 2015.

  1. O BERÇÁRIO WALDORF

A pedagogia Waldorf cultiva o ambiente da Educação Infantil buscando a mesma segurança e acolhimento que da casa da criança, confortável e calorosa, com uma cozinha dentro da sala de aula para os momentos de preparo dos alimentos e objetos naturais dispostos de forma a estimularem a exploração pela criança e a sua imaginação.

Prezamos pelo desenvolvimento gradativo e saudável, sem apelo à intelecção precoce. Para tal, disponibilizamos o brincar livre através do qual a criança interage por si com o mundo. Trabalhar os ritmos do sono e da respiração, da contração e da expansão da criança desta fase é a base para que todo o trabalho seja desenvolvido de forma positiva.

  • Ambiente que estimula o desenvolvimento
  • Colchonetes para soninho
  • Cestos
  • Mesa e Cadeiras para alimentação
  • Objetos e brinquedos feitos com materiais naturais
  • Alimentação saudável, lactovegetariana, na qual o bebê é estimulado a comer com as mãos a fim de promover seu desenvolvimento motor e sua autonomia através de experiências positivas, interativas e ricas sensorialmente.
  • Em consonância com a orientação antroposófica, o cardápio é composto de opções de raízes, folhas, folhas e frutos visando a nutrição plena. 
  • Os alimentos oferecidos são cultivados de forma orgânica e/ou biodinâmica (forma de agricultura orientada pela Antroposofia).
  1. O 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA PEDAGOGIA WALDORF 

Preliminarmente, o trabalho pedagógico do 1º ano visa a formação de hábito, a formação de grupo e o estabelecimento de acordos e combinados. O ensino dá-se por épocas, nas quais a professora de classe aborda uma disciplina ou temática, podendo estas serem suplementadas de forma interdisciplinar pelas aulas de matérias. 

Os professores de matéria assumem a turma gradativamente. Nas aulas de música, visa-se primordialmente aprender a cantar junto. Posteriormente, a flauta é trabalhada como uma continuidade da individualidade e da voz de cada um. Para a interação com esta, a professora fomenta o hábito de que as crianças limpem sua flauta todas as vezes que forem tocar. Prossegue-se com o estudo do kântele até o 2º ano, abrindo posteriormente, no 3º ano, para o ensino dos demais instrumentos de corda de orquestra. 

Nas aulas de trabalhos manuais, as crianças aprendem sobre as qualidades dos materiais, Primeiramente, elas interagem com a lã: aprofundando sobre suas características, limpando-as e cardando-as. Com as preciosidades da lã, intenta-se que elas internalizem o valor dos trabalhos manuais, a devoção por estes e pelo que a natureza nos provê  através da aprendizagem do tricô (cada aluno confeccionando uma ovelha até o fim do ano). 

A introdução do alemão e do inglês no primeiro ano se dá exclusivamente de forma oral e sempre de maneira lúdica, através de brincadeiras de roda, jogos e pequenas histórias. No 1º, 2º e 3º anos, os recursos pedagógicos envolvem a percepção musical, a repetição e o gestual como transmissores do significado equivalente na língua materna –  com isso, reforçando também o domínio desta. Aos seis/sete anos de idade, as crianças estão no auge de sua capacidade de imitação e de memorização, facilmente aprendendo versos e canções do universo folclórico, entendidos com a ajuda de gestos, movimentos e de imagens que lhes tocam as almas. O alemão, uma língua consonantal muito diferente da nossa, traz uma cultura diferente, um olhar para a alteridade. Nesta aula, a professora lança mão de um ajudante, um boneco que vem da Alemanha trazendo repertório de canções e imagens. Este boneco vai para a casa de cada criança aproximadamente duas vezes por semestre. As crianças costumam colocar presentes na sua cesta: algo da natureza, um mimo feito por ela e/ou sua família, um desenho ou um objeto de estimação.

Nas aulas de educação física e de jogos, objetiva-se trabalhar a brincadeira, a fantasia, a mímica e o faz de conta. Observa-se e desenvolve-se a coordenação motora, a lateralidade, o ritmo e o equilíbrio de cada um e da turma toda. 

CURRÍCULO ESQUEMÁTICO DO 1º ANO

Objetivos gerais do 1º ano:

  • Integrar o grupo socialmente;
  • Trabalhar lateralidade e orientação espacial;
  • Vivência e assimilação gradual das atividades e do ritmo de trabalho do Ensino Fundamental, tais como:
    • concentração, expansão e atenção;
    • participação nas rodas rítmicas;
    • participação na retrospectiva das aulas e das histórias;
    • envolvimento com os conteúdos da matérias;
    • dedicação nos trabalhos dos cadernos;
    • organização dos materiais;
    • postura corporal ao sentar-se e ao apresentar-se diante do grupo;
    • pontualidade na execução das tarefas de classe e de casa;
    • acato e respeito à autoridade dos professores.

Disciplinas

  • Língua Portuguesa

    • Apresentação do alfabeto;
    • Expressão verbal e cultivo do vocabulário;
    • Desenho das letras e palavras;
    • Iniciação à leitura: leitura coletiva, por imitação e individual;
    • Contos de fadas: enriquecer vocabulário, imagens e capacidade de recontar histórias.
  • Matemática

    • Trabalho rítmico com os números;
    • Qualidade dos números;
    • Simbologia dos números em nosso corpo e no dia a dia;
    • Contagem progressiva e regressiva dos números no intervalo de 1 a 20; 
    • Contagem oral dos números até 100;
    • Introdução dos algarismos romanos;
    • Registro de números, quantidades e pequenas contas nos cadernos;
    • Introdução às 4 operações;
    • Cálculos mentais.
  • Desenhos de formas

    • Composições variadas de linhas retas e curvas;
    • Trabalho para o desenvolvimento da coordenação motora, orientação espacial, harmonização entre traço/direção e preparação para a escrita;
    • A horizontal, a vertical e a diagonal;
    • Percepção do caminho do traço;
    • Cultivo da estética e do equilíbrio;
    • Cuidado na finalização do trabalho.
  • Desenho | Giz de cera

    • Cores primárias;
    • Mistura das cores primárias formando as cores secundárias;
    • Desenhos com as cores secundárias já prontas.
  • Aquarela

    • Pintura com as cores primárias isoladamente;
    • Pintura com mais de uma cor, sem mistura;
    • Vivências das qualidades dos tons: diferentes formas de manifestação e expressão das cores
  • Movimento

    • Percepção global do corpo, lateralidade, direção, habilidade de movimento, equilíbrio, atenção, coordenação motora, resistência e saúde física; prontidão e reflexos;
    • Trabalho de socialização, colaboração, respeito aos colegas e às boas regras de convivência em grupo.
  1. O RITMO NATAL | PÁSCOA NA PEDAGOGIA WALDORF

Para Rudolf Steiner, idealizador da Antroposofia, as festas cristãs da Natal e da Páscoa são pilares espirituais que evocam os dois grandes mistérios da existência humana: o nascimento e a morte, fatos físicos que nossa observação sensória não desvenda. Celebrar essas duas festas gera uma intensificação dos ritmos regulares diários, e, ao mesmo tempo, também, uma interrupção, um intervalo, uma inspiração profunda – que nos chamam a contemplar os ritmos da vida do nosso corpo e do nosso ser espiritual. Quanto mais estas celebrações nos ligam à natureza, aprofundando nossa vivência da imensidão dos mistérios da vida, tanto mais força, vitalidade e harmonia com o outro nos trarão.

Nas escola Waldorf, celebrando estes dois momentos através dos bazares da Páscoa e do Natal, confluímos nossos sentimentos a estes acontecimentos da alma humana através da vida e morte do Cristo. 

  1. ÉPOCA DA PRIMAVERA E SÃO MICAEL (SÃO MIGUEL ARCANJO) 

Na Pedagogia Waldorf, os festivais, relacionados às festas cristãs (originárias dos antigos rituais pagãos) e às mudanças de estação são momentos importantes do ano, pois conectam e resgatam o vínculo do homem com a natureza e o espírito do universo. 

O equinócio da primavera marca o início desta estação no Brasil, quando é chegada a hora de contemplarmos a natureza em todo seu esplendor, simbolizando a vitória da luz sobre a escuridão – fazendo-nos também florescer as sementes internas que acalentamos durante o inverno. As mesas de época da Educação Infantil são decoradas com tecidos alegres e vibrantes, muitas flores e pássaros de feltro. Contos sobre o tema e rodas rítmicas também fazem parte do dia a dia das crianças. 

Próximo à chegada da primavera, comemora-se o tempo de Micael ou Arcanjo Miguel (dia 29/09) –  de origem hebraica Mikha’El (“que é como Deus”). O Arcanjo Micael vem nos trazer o impulso da coragem para crescermos e amadurecermos, buscando respostas para fatos e situações da nossa vida. Micael traz à mão a espada de ferro, elemento que corre em nosso sangue e nos confere atuação e coragem. Com ela, ele enfrenta e vence o dragão e assim resguarda o destino da alma humana, pelo qual é responsável. Segundo Rudolf Steiner, “o contrário do medo não é a coragem, mas o amor. Coragem é o coração agindo em nome do amor”. A celebração deste arcanjo evoca a superação das dificuldades, a  busca da serenidade e a confiança no futuro. 

Na Educação Infantil, as crianças que estão em fase anterior ao período de prontidão para o 1º ano do Ensino Fundamental (em torno de 5 anos) confeccionam escudos e as crianças que estão no período de prontidão (em torno de 6 anos) confeccionam espadas – em alusão à espada de São Micael. Estas imagens surgem também em músicas e versos, na Educação Infantil, e em versos, lendas, histórias, plantio de sementes, jogos de coragem e desafios, no Ensino Fundamental.

  1. ÉPOCA DE PENTECOSTES NA PEDAGOGIA WALDORF

Depois de vivermos o processo de interiorização da época de outono, agora seguimos com o ritmo “para fora”, celebrando Pentecostes, no dia 31 de maio, quando se abre a oportunidade de olharmos para a comunidade e as diversidades que encontramos no outro. Como podemos ajudar o outro? O que podemos preparar para o outro?

Assim, na pedagogia Waldorf, trazemos para as crianças a imagem das profissões, através das quais cada um, com seu trabalho, contribui para o bem do todo. O padeiro com seu pão quentinho, a lavadeira com as roupas limpas e cheirosas… Ah! Como é bom poder ajudar e compartilhar! As crianças podem ser inseridas em atividades que contribuam com o próximo, que fortaleçam o sentimento de comunidade, como preparar o pão, cortar as frutas para uma salada…

Outra imagem que trabalhamos nesta época é a vivência das diferentes línguas através da inserção de músicas nas brincadeiras e rodas rítmicas que contenham, além do português, o inglês, espanhol, línguas indígenas etc. As crianças se divertem bastante e dessa forma vivenciam as diversidade culturais, o que remete ao culto da paz e do entendimento entre os povos.

Adaptação do texto original das professoras Thamires Carvalho e Mariana Serrão

  1. A CRIANÇA DO 2º CICLO DO FUNDAMENTAL (6º ao 9º ANO) E A IMPLANTAÇÃO DO SEGUNDO SEGMENTO DO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS WALDORF

*Texto inspirado na oficina realizada por Mariana Bugano (11 e 12 maio de 2018) 

A partir dos 12 anos, as crianças começam a ficar menos graciosas e podem se tornar mais desengonçadas por conta do desenvolvimento abrupto e desproporcional dos membros. Elas também começam a ficar um pouco mais ásperas no convívio. Os pais muitas vezes querem postergar este momento de entrada na adolescência, mas mecanismos de proteção mostram-se ineficazes e as mudanças são inevitáveis.

Este período, que abrange dos 12 aos 16 anos aproximadamente, congrega de forma única os elementos infantis e os elementos vindouros da juventude. Mesmo que haja diferenças entre as maturações dos meninos e das meninas – mais precoce nestas devido ao evento abrupto da menarca – as transformações corpóreas e anímicas são abundantes em ambos (sem que haja ainda consciência de si). Por isso, alternam-se agudamente entre a euforia e a depressão, extravasando seus impulsos de forma desordenada, o que demonstra sua imaturidade para tomar decisões.

O adolescente precisa de ajuda para ingressar na vida consciente, estabelecer relações pessoais e traçar o caminho de sua individualização. Seu julgamento está nascente, bem como a coesão entre seus sentimentos e ações. Seu caminho tem que ser indicado com confiança e persistência porque, diante da sua efervescência e inquietações, ele vai necessariamente reclamar. Seus pára-raios são naturalmente os professores e os pais.

No 2º ciclo do Fundamental, o professor tem que sair do lugar de autoridade amada e destituir-se, ele próprio, de seu trono. A partir do 6º ano, os gestos e a linguagem calorosas dos professores (permeadas de códigos fantásticos e míticos, que falam diretamente ao coração da criança) não serão mais suficientes. Torna-se necessário que os docentes conheçam os grandes arquétipos que estão por trás da experiência humana e se interessem pela vida e dilemas dos jovens. Mesmo que se tornem autoridades desconstruídas pelos alunos, serão ainda amadas e necessárias a eles, por isso devem se manter firmes, sem se mascarar nem perder o humor. Os adolescentes precisam que o professor ria de si mesmo para rirem de si próprios. 

É preciso, portanto, equilibrar a balança entre o idealismo e o realismo, pois os alunos dessa fase esquecem ou desafiam as regras e combinados. Porém, tudo pode ser vivenciado a partir de um olhar amoroso. O adolescente exige que os professores e os pais não tenham medo deles e de si mesmos. Superando seu medo, os adultos permitem-se perceber e contemplar os deslumbramentos desta fase, que são maiores do que os desafios a princípios assustadores. 

É necessária também lucidez para implantar o Segundo Segmento do Fundamental numa escola Waldorf, pois este processo levanta uma série de questões para a escola como um todo – das quais a comunidade tem que estar consciente. É desafiador, demanda confiança e coragem. Além dos desafios práticos e burocráticos, há desafios anímicos. Pois traz-se para dentro do ambiente escolar – até então protegido pelo envoltório do bom e do belo da Educação Infantil e do 1º ciclo do Fundamental – jovens carregados de questões anímicas, vocabulário diferenciado e ações mais impulsivas. 

Quanto às famílias pioneiras da 1ª turma (de implantação), é preciso apoiá-las durante seu percurso. É preciso, também, trabalhar antecipadamente os anseios e preocupações de todas as famílias da comunidade, inclusive sobre a preparação para o vestibular.  Quando a escola implanta o 2º ciclo do Fundamental, as perspectivas de maturidade das turmas mudam e as crianças do 4º e 5º anos recuam em sua precocidade. Isso se aplica a todos os ciclos da escola e tem um efeito benéfico. Portanto, tendo o Segundo Segmento, e posteriormente o Ensino Médio, a comunidade aprofunda e amplia a compreensão acerca da antropologia das fases de desenvolvimento da criança – e adquire coesão maior. 

Segundo a Proposta Educacional Waldorf, disponibilizada às escolas pela Federação das Escolas Waldorf do Brasil (FEWB) “ao redor dos 12 anos de idade (6° ano) chega o momento em que a criança não procura apenas causas, mas quer produzi-las, além de observar os efeitos. Após diferenciar-se do meio ambiente e no espaço a partir do 9º ano de vida, surge a diferenciação no tempo. A criança não sente apenas o “antes” e o “depois” mais claramente, mas também os relaciona entre si”. Já no Ensino Médio, o jovem demandará que o professor tenha o pensamento claro e técnico vinculado à vida.

Portanto, trazer jovens para dentro da escola nada mais é do que reproduzir aquilo que está no mundo. A proposta pedagógica em prol do desenvolvimento global dos jovens tem que ficar clara e consentida por todos. Os passos mal dados têm consequências. Por isso é importante um mediador externo experiente para dar suporte e acompanhar o processo de fortalecimento do impulso de expansão em todas as esferas da escola. 

  1. “O QUE FAÇO COM ELE/A: ALTERNATIVAS AOS MEIOS ELETRÔNICOS POR UMA INFÂNCIA SAUDÁVEL E EQUILIBRADA”

Resumo livre por Fernanda Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldor Michaelis

O professor Lincon Guassi realizou quatro jogos simples com os espectadores para demonstrar a lógica, o encadeamento e a conexão que podem reger o ritmo das atividades das nossas crianças de forma que se minimize o apelo ao uso de eletrônicos.

Segundo ele, quando programamos as atividades das crianças seguindo a alternância contração/expansão propiciamos uma rotina que gera disposição e bem-estar por seguir o ritmo da nossa própria respiração (inspiração/expiração) e da natureza (dia/noite, frio/calor, estações do ano…) . Provemos segurança e sentido à criança, motivando o aproveitamento do seu dia sem gerar as instabilidades que suscitam a requisição pelos eletrônicos.

A criança é una com a natureza, é através desta que ela encontra amplitude, vazão e respostas para o que ela tem dentro de si. Já através dos eletrônicos ela restringe seu espectro, concentra a atividade na sua cabeça (ao sugar imagens sugestionadas criadas por outras pessoas que não fazem parte dela) e esfria seu corpo. A alternância entre a expansão e a movimentação com a contração e o apaziguamento geram a disposição e o calor necessários para que ela se aposse do que está em volta a fim de conseguir lidar com o que vem de dentro.

Portanto, é preciso meditar previamente para programar a rotina de atividades das crianças com regras simples e claras, agregando e ressignificando elementos do cotidiano, usando materiais naturais, ativando partes do corpo, movimentos, a interação, a criatividade e a imaginação. Para isso, os adultos têm que estar essencialmente presentes. Isso não significa que tenham que estar necessariamente com as crianças todo o tempo. O importante é que estejam plenos quando estiverem presentes, idealmente estabelecendo também ritmo em seu cotidiano para os momentos que forem despender e usufruir com elas. Durante a realização das tarefas domésticas, é possível incluir e envolver as crianças de forma lúdica ao longo do dia, especialmente nesta época de quarentena, segundo o palestrante. Neste momento, ao mencionar a quarentena, ele aproveitou para lembrar que nos manter aquecidos nos protege das viroses (ao fortalecer nossa imunidade).

Acesse e assista: https://www.facebook.com/queroaulasfantasticas/videos/522893055037299/UzpfSTMxMzUyMzg5ODcxODQwMTozNjk2NzI1OTEwMzk4MTY2/

  1. PALESTRA: CRESCER SAUDAVELMENTE NO MUNDO DAS MÍDIAS DIGITAIS

Ofertada pelo Instituto EcoSocial e ministrada pela médica antroposófica alemã Michaela Glöcker no dia 25/05/2020 | Resumo livre por Fernanda Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

As premissas apresentadas pela palestrante são fruto do trabalho de inúmeros pesquisadores independentes e da experiência da própria médica no atendimento a crianças com danos neurológicos e cerebrais. Segundo ela, atualmente, pediatras e a OMS (que não restringia o uso de eletrônicos pelas crianças há dez atrás) recomendam que os menores de três anos não interajam com telas.

Já Glöcker indica que os pais devem permitir o mínimo de conexão com telas até os 16 anos – já que cérebro precisa de 15 a 17 anos para desenvolver plenamente sua parte frontal, que enseja o pensar e a vontade autônomos. Assim, quanto mais atividade autônoma uma criança tiver, mais ela desenvolverá sua capacidade autônoma. Se dermos telas para as crianças desde cedo elas se tornam apenas responsivas aos impulsos virtuais. A cada 30 minutos que elas são privadas de uma atividade ligada ao mundo real elas são também privadas de sua própria atividade, de seu próprio movimento. Quanto mais cedo isso ocorre, mais danoso se torna ao processo de desenvolvimento.

O corpo e o cérebro são totalmente analógicos e precisam de estímulos analógicos. Faculdades humanas não podem ser estimuladas por máquinas, mas por interações humanas. “Nós vivemos hoje durante 80 a 90 anos, o que são 16 anos em nossas vidas (sem uso de telas)”?  

Ela acrescenta que devemos ensinar os jovens a digitar com os dez dedos e a linguagem e funcionamento das máquinas, como parte do ensino da matemática, para  que eles possam discernir, quando mais maduros, em quais ocasiões será realmente necessário usá-las ou não. Fora isso, o tempo precioso que as crianças despendem na escola e às atividades escolares devem visar as atividades corporais e autônomas. Além disso, é muito importante termos  diálogo (sobre uso consciente das mídias), apropriado a cada faixa etária, com as crianças e, também, com os pais dos amigos e pares delas, encaminhando-lhes textos para conscientização, por exemplo. “Os jovens podem dirigir carros, ingerir álcool, porém temos que evitar que o façam a fim de não causarem danos a si próprios e a outrem”. 

Quando sabemos o que queremos, podemos dispor dos recursos tecnológicos com convicção e até prazer. Mas, com a pandemia está acontecendo a “liberação” (como permissão), o recrudescimento da educação à distância através de mídias digitais, que tem um alto potencial de distração (pois somos muito orientados pela óptica). 

O uso de telas no período de desenvolvimento cerebral acarreta, conforme a prática médica, muitos problemas posturais, problemas de linguagem e vocabulares, imaturidade emocional e falta de empatia. Soma-se a isso, que os mesmos mecanismos e sistemas de recompensa da adicção a drogas são acionados no cérebro das crianças pelo uso de telas.

Observa-se hoje um desequilíbrio que se expressa pelo medo, por agressões e depressão em jovens, de forma nunca vista antes. Pois, sem contatos reais, não se pode aprender sobre tolerância, empatia, frustração, dificultando a conquista da maturidade emocional. Precisamos desenvolver dois aspectos igualmente: nos tornar indivíduos e amar, interagir uns com os outros – sem nenhum lado se sobrepor ao outro.

A pressão social ou exclusão de crianças que não usam ou acessam menos as telas não são bons comportamentos sociais e devem ser desestimulados pelos educadores (domésticos e escolares). As crianças têm que aprender a não excluir quem não compartilha telas e estas últimas tem a oportunidade de aprender a sustentar seu próprio jeito de ser. Isso pode ser fortalecido com os pequenos através dos contos de fadas e com os maiores através de histórias pessoais dos adultos.

O mundo precisa de indivíduos criativos e de bons mestres, não bons clientes e seguidores. Se entendermos que a atividade autônoma é o mais importante para um ser humano, saberemos em cada situação na escola e em casa achar a solução de compromisso sem nos desmotivar. Cada hora conta.

DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO:

Na pesquisa moderna diz-se que o cérebro que é um órgão de movimento. Os estímulos do corpo e as percepções de interação com o ambiente desenvolvem-no. Por isso, quanto mais promovemos a conexão do corpo com o mundo real mais estimulamos o cérebro. E, para regenerá-lo, são necessários movimentos habilidosos do corpo todo, da mesma maneira através da qual o cérebro é estimulado e formado durante a gravidez. Na profilaxia da demência, recomenda-se hoje não só a ginástica cerebral mas, sim, a movimentação do corpo inteiro (habilidades, dança,  integração corporal e  atividades artísticas). Isso estimula as partes do cérebro que não foram danificadas, recuperando progressivamente as capacidades que foram perdidas.

O principal desejo da criança pré-escolar é o movimento. Elas só têm uma coisa a aprender: o controle do corpo e atenção. Mas prejudicamos as crianças sem saber. Por exemplo, através dos carrinhos nos quais as crianças olham logo cedo para o ambiente externo com excesso de estímulos ou numa casa com televisão ou música ligadas sem parar. Inclusive, hoje, já existem softwares para bebês de três meses! Se eles estão no mercado as pessoas os acham bons. Uma justificativa possível é dizer que vivemos no mundo da inteligência artificial. No entanto, as pessoas não sabem que Bill Gates deu o primeiro celular à filha dele quando ela completou treze anos e Steve Jobs teve uma filha numa escola Waldorf.

Aos nove anos, mais de 95% do cérebro já está desenvolvido. Nas crianças de sete aos nove anos, o desejo de movimento diminui dando lugar a mais desejos emocionais: conversar, atividades em grupo… No entanto, nessa idade os jogos eletrônicos são também uma tentação enorme.

Uma criança saudável quer descobrir por si mesma, quer se mover muito por iniciativa própria e observar o mundo sem ficar sendo interrompida e interpelada pelo adulto. No smart phone a imagem se move incessantemente impedindo a concentração e imobilizando os músculos oculares. No entanto, olhar é um atividade. Pela TV, a imagem está ativa e o sujeito está passivo “recebendo” o movimento das imagens. A palestrante exemplifica isso ao relatar que, na década de 70, não havia aparelhos de TV nos quartos de hospitais. Hoje, até mesmo nos centros pós-cirúrgicos oftalmológicos, há aparelhos deste tipo porque olhar para suas telas a uma certa distância deixa imóveis cinco músculos dos olhos (e esta paralisia muscular favorece o processo de recuperação do paciente). 

  1. TRANSCRIÇÃO DE TRECHOS DA ENTREVISTA ON LINE DE MICHAELA GLÖCKER SOBRE CORONAVÍRUS, MÉDICA ANTROPOSÓFICA ALEMÃ | 07/ABRIL/2020

“(…) A inflamação pulmonar (causada por este coronavírus) é perigosa porque pode fazer o fino tecido conjuntivo entre os alvéolos inflar e inflamar. Por isso as pessoas se sentem asfixiadas, entram em pânico. Essa sensação de pânico por não receber ar, por não poder respirar dá muito medo. Por isso podemos entender as reações de pânico em nível mundial e a restrição à vida social.

(…) Os pulmões são órgãos maravilhosos que nos conectam com toda a cavidade aérea da Terra, é o órgão mais social e comunicativo que temos. Por exemplo, quando estamos no mesmo espaço com outras pessoas respiramos o ar que todos acabam de exalar – isso nós não temos muito presente. Isso quer dizer que não só estamos conectados por meio do ar com toda a humanidade, como também com toda a contaminação da Terra, não devemos nos esquecer que os maiores complicações pulmonares se dão nas grandes metrópoles, não no campo.

Nós poluímos o ar; não é de se estranhar que os pulmões não possam suportar toda a contaminação que produzimos, especialmente no último século. Isso gera perda da capacidade e propensão a doenças pulmonares. O ar não é só o que respiramos, nós o vivenciamos através da palavra, da música, da luz, tudo o que o ar nos dá; a luz do Sol só é visível através do ar, é o próprio ar que a faz visível. O ar é incrivelmente importante para a vida, ele transporta a palavra, a música e tantas coisas maravilhosas, como os sons dos animais, as queixas que surgem da tortura maciça que lhes é feita; inalamos também esses sons, inspiramos o sofrimento deles. Vejo uma correlação (com o momento atual) já que os vírus que predominam no reino animal excederam o limite da sua espécie (…) colocando-nos em alerta para voltar a atenção para eles. Respiramos juntos com os animais o mesmo espaço vital e os tratamos da maneira mais indigna que se possa imaginar, com muito poucas exceções.

(…) O aspecto anímico é muito decisivo. Sabemos, desde os anos 70, que o sistema imunológico reage positivamente a sentimentos bons e positivos: a alegria, a veneração, o humor, a gratidão, a estima, os sentimentos positivos entre os seres humanos estimulam diretamente o sistema imunológico contra o medo, a depressão e todos os sentimentos negativos que, pelo contrário, danificam o sistema imunológico.

(…) A coisa mais importante nas doenças virais é sermos capazes de controlar bem a febre. A febre é a única arma que o corpo tem para matar os vírus, e muitas pessoas não sabem disso. Por esse motivo, muitos medicamentos para diminuir a febre ou os antibióticos suprimem as reações do corpo e, nessa medida, afetam o sistema imunológico.

(…) Muitos se perguntam como podem ter sentimentos positivos sozinhos em casa. Nesse sentido, podemos orar ou meditar. Através dessas práticas, a veneração pode surgir, podemos criar uma atmosfera agradável, acendendo uma vela, lendo um texto que tenha a ver com os sentidos espirituais, com a divindade, com os anjos que nos permitem conectar-nos com o mundo espiritual, ou também com nossos queridos falecidos. Pois não podemos ver os pensamentos com os olhos, mas precisamente eles, os pensamentos, são a ponte invisível com o mundo espiritual, é especialmente importante lembrarmos disso.

Tenho muita esperança e não quero que, quando tudo passar, comecem a dizer: “nossa vida anterior era ótima, vamos continuar fazendo da mesma forma”. Espero que, no aspecto econômico, algo mude em termos ecológicos e em nosso tratamento da natureza. (…) Tenhamos certeza de que, embora o virtual tenha ganhado força nesse período de isolamento, ele não é saudável para o desenvolvimento cerebral de crianças e jovens, que precisam dos anos de desenvolvimento no mundo real antes de se acostumar ao virtual. De fato, o cérebro frontal, a faculdade de pensar e raciocinar precisam de dezessete anos para se desenvolver e alcançar o autocontrole e o pensamento autônomo. Não podemos esquecer disso e, de um momento para outro, acreditar que as crianças e jovens não precisam mais do mundo real, lançando-os diretamente no mundo virtual, isso seria uma coisa muito triste.

Saibamos também que, para controlar a pandemia, estamos em completa vigilância, desde a porta de casa até o telefone celular. (…) É preciso prestar muita atenção para que os valores da liberdade democrática não se percam. Não quero produzir medo com isso (…) mas este é para mim o ponto mais importante de nos atentarmos após o período do coronavírus. É preciso que nos concentremos em refletir sobre os valores centrais da liberdade e da dignidade e, também, admitindo o estado de vigilância apenas para servir à segurança e proteção da população – e não para aumentar o poder de um regime estatal.

Desejo-lhes o melhor para os tempos que virão. Pertenço à população de risco, penso especialmente nos mais jovens e invisto o meu melhor para que eles tenham coragem de fazer algo especial de seu futuro. De toda forma, para tudo se requer a postura ereta; honestidade, amor e liberdade, a partir dos quais os valores humanos são decisivos”.

Trechos da entrevista de Michaela Glöcker, médica antroposófica alemã que liderou por 28 anos Seção Médica do Goetheanum (sede mundial do movimento antroposófico localizado em Dornach, Suíça), aos alunos do campus A da Universidade de Stuttgart no dia 07/ABRIL.

Link de acesso à palestra (em alemão):

https://www.youtube.com/watch?v=8r6KFfy12Ko&feature=youtu.be.

(Adaptação da tradução espanhola por Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois alunos na Escola Waldorf Michaelis).

  1. DISLEXIA E TDAH PELO OLHAR DA PEDAGOGIA WALDORF

Texto: Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

(Resumo livre da palestra ministrada por Darlan Schottz Ferreira no dia 04/10/2018)

Ambos os fenômenos abordados nesta palestra resvalam em problemas de aprendizagem e disciplinares. Na hiperatividade, o prefixo hiper remete à excitação incontrolável, à reatividade (não à força ou potência) e por isso mistura-se à capacidade de atenção. Já na dislexia, o prefixo dis remete a “dificuldade” enquanto lexia refere-se ao léxico, às palavras, reverberando na insuficiência do processo fonológico de associar fonemas a grafemas e na dificuldade da aquisição da capacidade de ler, escrever, entender as palavras e a sua estruturação. 

O palestrante agregou a estas definições as informações estatísticas de que 20 a 30% dos alunos diagnosticados com TDAH costumam a apresentar questões sociais, de humor, de ansiedade e de transtorno opositor e de que 40% deles tendem a fazer uso de substâncias psicoativas na juventude. Já 50% das crianças disléxicas são hiperativas.

A leitura é a conjugação da capacidade de percepção, de audição, de formação de ideias e de imagens. A constituição física e as conquistas motoras da criança são determinantes para as suas aquisições cognitivas. Segundo o palestrante, toda criança nasce hiperativa e com déficit de atenção, repleta de movimentos reflexos que, ao longo da vida, vão sendo incorporados aos movimentos voluntários ou permanecem automatizadas e inconscientes. Por exemplo, o funcionamento de nosso intestino é automático e compulsório. Atentando-nos bem, parte dos movimentos dos nossos braços, mãos, pernas e pés também o são. Os tiques nervosos são demonstração de descontroles nervosos, uma espécie de hiperatividade numa parte do corpo. Isso pode existir no pensamento também.  

Portanto, o ser humano tem um arsenal – e um histórico – de atividades do qual pode se apropriar com autonomia ou descontrole. A hiper e, na outra ponta, a hipoatividade são pêndulos do desequilíbrio. A atividade deve ser educada desde o momento do nascimento. Isso quer dizer que a forma como a criança é estimulada e afetada no primeiro setênio de sua vida é fundamental para o seu desenvolvimento ulterior. A progressão deste período fornece sua base neurológica. As funções motoras são totalmente imbricadas ao desenvolvimento cerebral. (Tanto que os tratamentos dos traumas cerebrais são feitos através de fisioterapia, dos movimentos). O cérebro é neurológico antes de ser consciência. 

A educação é, primeiramente, dos sentidos: da audição, do tato, do paladar… Por exemplo, som é diferente de ruído. O som apropriado favorece a audição, a admiração do belo favorece a visão… O tato e a motricidade especialmente estão atrelados ao desenvolvimento cerebral. Todo estímulo deve ser o menos agressivo e estimulador do cérebro para que este possa apurar sua capacidade de admiração e de focar a atenção. Se as percepções são saudáveis, os movimentos também são saudáveis.

Se estimularmos a criança demais, criaremos certo déficit de atenção. Os aparelhos eletrônicos (televisão, joguinhos, celulares …) são patogênicos porque são super excitantes do cérebro, ao mesmo tempo em que suprimem a motricidade, a movimentação. A interação com estes aparelhos mantém as crianças paradas, sem estabelecer interações físicas. 

Portanto, os brinquedos saudáveis para o desenvolvimento psíquico, motor e nervoso demandam ação da motricidade e a interação com o outro. A relação com o outro gera a percepção de sua existência e de sua pertinência; a consideração e o respeito ao próximo. A dificuldade de desenvolver afetividade tem a ver com o déficit de atenção. Ao se criar vínculo afetivo há o trabalho do “afetar-se” de cada um, há o amadurecimento próprio do exercício de conviver.

As sintomatologias abordadas pelo médico nessa palestra devem ser tratadas, conforme ele, com situações e movimentos que o corpo não viveu. O recurso da medicação demonstra melhores resultados somente nos quadros de hiperatividade de fundo genético. Há um grande potencial de reorganização neurológica através de trabalhos manuais, jogos corporais, ritmos e brincadeiras de equilíbrio. 

Nos primeiros anos, a educação é essencialmente corporal; ela deve educar o perceber e o reagir. A vivência é o que acontece entre a percepção e a reação.  A motricidade ampla precisa ser trabalhada pela pedagogia com movimentos salutares rítmicos. O professor da educação infantil deve apresentar uma manifestação gestual ritmada e continente que conduza à imitação pela criança. 

Posteriormente, no ensino fundamental, deve-se ter em mente sempre trabalhar a vinculação afetiva aos conteúdos transmitidos, sem muitas explicações, para instigar a vontade de se vincular e de aprender. O professor deve observar o potencial do aluno e da pedagogia atuando nele. Afinal, as crianças que “não se deixam formatar”, como as chamadas hiperativas, podem ser extremamente inteligentes.

Portanto, nos primeiros anos de nossas vidas, não aprendemos somente a virar, sentar, engatinhar e, finalmente, a andar. Precisamos ser educados e trabalhados para também coordenar nossos movimentos – que são em parte involuntários e reflexos. Esta aquisição deve acontecer através dos exercícios ritmados e pela educação do belo, segundo a Pedagogia Waldorf. Caso haja falhas neste processo, ocorrerão resvalos nos mecanismos físicos e cerebrais, que se manifestarão de diversas formas, dentre estas a hiper ou a hipoatividade, a dificuldade de atenção e de aprendizado. Em maior ou menor grau, estes fenômenos estão conectados às tendências genéticas, aos estilos de vida e de estímulos, às biografias e às particularidades dos sujeitos.

O desconhecimento sobre o assunto, bem como a apropriação deste pelo discurso psiquiátrico e os laboratórios farmacêuticos conduzem, muitas vezes, à diagnose inócua e à delegação da questão pela classe docente a outrem. É muito importante que os professores estudem, observem e reconheçam essa fenomenologia, para que possam ter uma atuação sensível e sagaz diante das dificuldades e da inaptidão dos aprendizes, de modo a obter recursos de intervenção e a não desestimulá-los e desencorajá-los reativamente. 

  1. PEDAGOGIA DA EMERGÊNCIA

Resumo das oficinas ministradas pela equipe da Pedagogia da Emergência/Brasil nos dias 03 e 04 de março de 2018. Texto: Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

A Pedagogia da Emergência­­ foi criada pelo professor alemão Bernd Ruf, explorando o potencial terapêutico da Pedagogia Waldorf e das postulações antroposóficas.  Suas equipes atendem chamados de toda parte do mundo para auxílios emergenciais em abrigos, acampamentos, estabelecimentos assistenciais e escolas a crianças impactadas por catástrofes naturais, conflitos armados, guerras etc. Elas retornam frequentemente à Faixa de Gaza, um dos lugares conflagrados mais críticos e impactantes, conforme relatam. Idealmente, a assistência deve ocorrer um a dois dias depois do choque agudo ou, no máximo, dentro de oito semanas, enquanto a cronicidade ainda não se instalou e há maior permeabilidade aos processos curadores. 

Nos momentos agudos, visa-se prioritariamente a valorização da vida, o aprofundamento das relações com os outros, o aprofundamento espiritual e religioso e o amadurecimento da personalidade – no sentido de transformar a crise em chance e de gerar o crescimento pós-traumático.

Durante a experiência traumática, as partes do cérebro mais profundas e arcaicas do ser humano são acionadas: o sistema límbico responde pelas emoções arraigadas e o cérebro reptiliano, através da amígdala, age de acordo com os impulsos instintivos evolutivos disponíveis: a luta, a fuga ou a paralisia.

Primeiramente, o ajudante de emergência deve manter a calma, pois crianças traumatizadas precisam de adultos com estabilidade psíquica. Então, a equipe estabelece o plano de ritmo diário dos atendidos, visando restabelecer a propriocepção corporal através de atividades que requerem o pensar, o sentir e o fazer. Para este fim, são fixados ritmos para: alimentação saudável, cultivo dos cuidados pessoais, jogos, danças, brincadeiras, dinâmicas de cooperação grupal, movimentos, expressão do acontecimento, esportes, relaxamento, atividades artísticas (desenhos livres, aquarelas, desenhos de formas, canto, criação de músicas, danças, modelagem etc.).

Trabalhando-se para o equilíbrio rítmico, mobiliza-se, de forma reflexa, os três membros corporais que podem ter convergido a expressão sintomática do impacto traumático: as conformações nervosas (cabeça), rítmicas (tronco/coração e pulmão) e metabólico-motoras (órgão do metabolismo e membros), a partir da seguinte premissa: “Sintomas são reações normais a acontecimentos anormais”.

Os traumas podem manifestar-se como distúrbios rítmicos, bloqueios, enrijecimento, distúrbios de relações, experiências de vivência do limiar da morte etc. Eles podem se manifestar de forma simples, múltipla, sequencial, progressiva, verbal e de relação (de forma aguda ou crônica).

No caso da cabeça, que é redonda, dura, fria, responsável pelo pensamento e a vigilância, os sintomas reflexos são a amnésia ou rememorações do choque, irritabilidade, nervosismo, desconcentração e dor de cabeça. Para estes acometimentos, são recomendados os exercícios de concentração e do olhar. As rodas de conversa lhes são benéficas e revitalizantes.

Já o tronco é um membro medial de compensação, responsável pela pulsação e a respiração; o sentir e o sonhar. Suas reações de sobrecarga são a asma, a incapacidade de sentir, os distúrbios cardíacos, o medo, o pânico, o pesadelo, a agressividade e a agressão, a raiva, a depressão e a culpa. A intervenção pedagógica de emergência resgata o ritmo corporal através do restabelecimento da rotina de cuidados pessoais diários, da ritualização, do apaziguamento da respiração e das atividades artísticas (pintar, desenhar, recitar e cantar) – impactando na produção dos sonhos.

Finalmente, os membros e a barriga são responsáveis pelo metabolismo e os movimentos locomotores, pelo agir e o descansar. Ao contrário da cabeça, que é fria e dura, estes são macios e geram perda de calor. Sua sintomatologia abarca distúrbios gástricos e alimentares, letargia, fuga de certas situações, paralisia ou hiperatividade, insônia. As ações práticas são as suas vias curadoras: massagens, compressas, brincadeiras de movimento, caminhadas, executar projetos e trabalhos manuais terapêuticos.

As manifestações sintomáticas ocorrem de forma idiossincrática em cada sujeito, em um ou mais membros, condicionadas tanto pelos fatores individuais e do meio quanto pelos fatores de risco e de proteção. Ou seja, as trajetórias e as formas de vida, as personalidades e os temperamentos, as patologias prévias, a capacidade de resiliência e as redes de apoio são determinantes das configurações das reações patológicas físicas e emocionais e das possibilidades de superá-las.

A pedagogia visa recobrar as forças vitais como um todo através do trabalho amplo dos sentidos, abarcando o sentido do tato, o sentido da vida, o sentido do movimento e o sentido do equilíbrio. Bem como através do fortalecimento das relações, do contato corporal, do suporte, da proteção, da segurança, dos ritmos, dos rituais e da vinculação espiritual.

Pode parecer contraditório estimular as forças motoras/criativas e a alegria das crianças em catástrofes e perdas nas quais imperam a tristeza, o desalento e o desamparo. Porém, este é exatamente o fator de sucesso da intervenção pedagógica de emergência. Crianças têm muito menos possibilidade de verbalização e de racionalização do que os adultos. A inovação da abordagem encontra-se em não se ater somente à palavra para que o corpo inteiro e todos os âmbitos da afirmação da vida e da dignidade expressem-se conjuntamente, acionando as potências curativas de forma integral.

A intenção e a vontade firmes de acolhimento e de cura advindas dos adultos reintroduzem nas crianças a confiança no outro e no mundo, ensejam o encorajamento e introduzem em seus percursos a possibilidade de renovação e de superação. Todo ser humano pode beneficiar-se de vivências como estas proporcionadas pela Pedagogia de Emergência. Diga-se, toda pedagogia é de emergência como esta: emergência da vida, do encontro, das potencialidades, do amor.

  1. A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL: 4ª Conferência Rudolf  Steiner. São Paulo: Antroposófica, 2009.

RESENHA: Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

O tema tratado pelo autor nesta conferência é a relevância e a abrangência da questão pedagógica nas questões sociais, mais especificamente da formação do professor como sua subquestão medular. O autor problematiza a onda materialista que abarca a humanidade desde o século XV, que deu ensejo a um sistema educacional que privilegia o método visual visando à impressão de representações mentais do que se pretende ensinar, tanto para o professorando quanto para o alunado. Sua preocupação é com o que não brota na disposição anímica do professor – e que também não brotará na disposição anímica dos alunos -, num círculo vicioso que se alimenta continuamente, nivelando o processo educativo de ambos. O palestrante então defende que o professor deve estar aberto e atento ao ser humano que desceu do mundo suprassensível. Para isso, o docente deve cultivar o pensar com sua alma – o que é totalmente distinto do modelo metódico e esquemático que apela à exterioridade e à norma “fora” do sujeito da ação e da emoção, ou seja, fora dos dois sujeitos únicos deste encontro único: aluno e professor.

Rudolf Steiner concede esta conferência em agosto de 1919, aos 58 anos, menos de um ano após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918). Ele fala a partir do duro contexto do continente europeu à época, que chorava a perda de cerca de dez milhões de seus habitantes, a maior parte de civis, e que redesenhava seus territórios e fronteiras, passando por uma série crise econômica. A então vigente e culminante Revolução Industrial foi a própria financiadora da guerra ao ditar a nova ordem de produção mundial massificada e massificadora, deflagrando a competitividade entre nações, a corrida armamentista, a segmentação do trabalho e das relações humanas e o incremento do progressivo esvaziamento de valores e sensibilidades do ser humano.

A principal inquietude do autor está justamente na perda da capacidade de percepção suprassensível a partir desta visão compartimentada que o ser humano passa a ter de si ao assimilar sua transformação materialista ao longo dos quatro séculos anteriores. A falta desta inteligência perceptiva inverte o padrão natural, elevando o interesse egoísta dos indivíduos pela vida após a morte e rebaixando sua curiosidade pelo que esteve vivo no mundo espiritual e que penetra a corporalidade a partir da concepção e do nascimento. A preocupação do ser humano com a sua finitude foi devidamente capturada, valorizada e incentivada pelos sistemas religiosos hegemônicos, que buscaram garantir a ilusão da não aniquilação do eu. Já a pergunta sobre o enigma da vida, sobre o que nasce do mundo espiritual com o ser humano que nasce, ou seja, sobre o que emerge para a vida daquilo que viveu no mundo espiritual antes do nascimento estaria reservada à classe do que se denomina hoje em dia de ocultismo ou esoterismo, se tanto.

A alternativa de Steiner a essa encruzilhada que nos afasta de nosso cerne eterno e nos torna cada vez menos amorosos e mais egoístas está no professor enquanto ser que ajuda os infantes a cumprir sua formação humana e sua missão terrena – e que os introduz na pedagogia. A curiosidade do professor pelo que as formas e as conformações corporais das crianças expressam e suscitam a partir do que estas trazem do mundo espiritual devem ser seu principal instrumental de leitura para que ele possa cultivar interiormente o pensar com sua alma. Esta seria a pedagogia fisionômica desenvolvida por Rudolf Steiner a partir da concepção de ser humano trimembrado em cabeça, tórax e membros.

Ao se deparar com esta divisão do corpo físico em três partes, o leitor desatento poderá cair na redução materialista de tão somente visualizar o corpo fragmentado em três partes. No entanto, o leitor atento terá diante de si uma grande virada que a antropologia de Rudolf Steiner dá porque esta divide sem recortar, ou seja, ela o faz através do aspecto orgânico, dinâmico e interpenetrado, não pelo aspecto fisiológico.  Desta forma, transmuta-se a visão de ser humano e a prática pedagógica do professor, pois este aprenderá que sua visão poderá ir além ao conceber a criança como uma alma que vai penetrando o corpóreo através da inter-relação entre os membros – tórax/ rítmico/corpo etérico, cabeça/neurossensorial/corpo físico, membros/metabólico/corpo astral -, cada um deles expressando imagens diferentes daquilo que está por detrás de cada um cosmicamente. 

Esse panorama amplia o significado da palavra nascimento para continuidade, ou seja, para a concepção do desenvolvimento infantil como o nascimento progressivo do espírito humano que não se expressa somente nos três membros e só poderá ser observado a partir da perspectiva temporal da contemplação do crescimento que revela o eu único e exclusivo de cada um. Para o professor que pode auscultar com sua alma, o ritmo da florescência e da maturação do eu humano pode revelar-se e ser revelado no verdadeiro desvelo amoroso. Esta é, segundo o autor, o único recurso para introduzir o ser humano na pedagogia de forma a visualizá-lo como individualidade: observando a expressão suprassensível através dos membros físicos da criança. Desta forma, atingir-se-á a meta humana da interação dos corpos físicos reconhecendo suas individualidades. 

Assim, Rudolf Steiner advertiu-nos e mostrou-nos o caminho magistralmente e singularmente nesta palestra do final da segunda década do século XX, que é um divisor paradigmal para os estudantes de pedagogia e um convite a trilhar o caminho profundo de sua antropologia, denominada Antroposofia. A genialidade e o vanguardismo de toda a sua obra são, de fato, admiráveis. Na entrada do século XXI, outros teóricos, com outras abordagens, continuam fazendo a mesma advertência de Steiner (como Jorge Larrosa e Silvio Gallo). Resta-nos saber, com o recrudescimento do materialismo, das guerras e da escassez de recursos das populações e do nosso próprio planeta, se ouviremos cada vez mais estas vozes.

  1. ECONOMIA VIVA: SOBRE A DOAÇÃO 

“(…) coloquem dois fenômenos lado a lado: o governo exigindo cada vez mais impostos, e a máquina de guerra jogando fora tanto, sem ter sido solicitada e de mão aberta.

Tendo reduzido a situação a uma completa caricatura do dar, nós podemos olhar para dentro procurando uma qualidade similar. Como é com o nosso próprio dar? Nós sabemos realmente o que significa dar? Nós podemos repartir uma possessão ou uma parcela de nosso rendimento para o benefício de outros? Nós realmente podemos dar livremente (em nossa motivação) e desprendidamente (quanto à destinação)? Cada um deve falar por si mesmo, mas a minha impressão é que este lado das pessoas é muito pobremente desenvolvido.

(…) não parece ser tão simples olhar em volta abertamente, sem egoísmo, e perceber se eu posso ajudar através da doação. E, de qualquer modo, por que isso é tão importante? Em suma, porque uma vida espiritual verdadeiramente livre só pode ser concebida se o lado material se torna acessível através de um fluxo de dinheiro doado livremente.

Falando de presente, nós não estamos pensando realmente no pequeno presente particular ou de doações filantrópicas, embora estas tenham seu lugar, mas de ações bem objetivas (ou de séries de ações); de dar com consciência da necessidade de desenvolvimento específicos. Isto pode tornar possível para as pessoas promoverem algum talento científico ou artístico; ou amparar um novo impulso educacional, melhoria agrícola, novos caminhos no tratamento médico e semelhantes.

Onde quer que novos impulsos espirituais estejam esperando para serem realizados, o dinheiro precisa ser dado, incondicionalmente; precisa realmente ser oferecido livremente, para ajudá-los a se concretizarem.

Nas palestras sobre Trimembração do Organismo Social, Steiner falou de três tipos de dinheiro: dinheiro de compra, dinheiro de empréstimo e dinheiro de doação.

Dinheiro de compra é usado para bens já manufaturados colocados à venda. Uma troca direta de dinheiro e mercadorias.

Se nós podemos poupar algo, nós podemos emprestá-lo às pessoas com ideias que esperam converter em produtos. Elas pedem dinheiro para comprar máquinas, para alugar espaço e conseguir quaisquer equipamentos que precisem. O dinheiro emprestado com um contrato formal retorna mais tarde com juros. As ideias se materializaram.

Com dinheiro de doação nós nos elevamos, por assim dizer, a um nível superior. Nós não compramos quaisquer bens ou serviços, nós não permitimos ideias ou habilidades parcialmente desenvolvidas a se materializarem. Nós tornamos possível a realização de ideias e capacidades ainda não existentes. Isto só pode acontecer na esfera da liberdade.

Associar quaisquer intenções comerciais, ideológicas ou políticas com o dinheiro, influenciar o resultado com qualquer condição, polui o espaço de liberdade e empobrece o resultado espiritual.

Para um verdadeiro avanço em direção a formas espirituais de cura, educação, agricultura e assim por diante, um espírito verdadeiramente livre é necessário na vida cultural, complementar a isto está um livre fluxo de doações.”

Fonte: Lex Bos, trechos do capítulo: “Dinheiro de doação para uma vida cultural livre”, contido no livro “Nada A Ver Comigo?. Editora APM, 1990; Grifos do autor.

  1. PALESTRA: INFLUÊNCIA DO MUNDO DIGITAL NA CRIANÇA  – Darlan Schottz 

Resumo livre: Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis. Evento realizado no dia 30/05/2009.

Nosso tema é falar sobre as mídias eletrônicas, particularmente dos aparelhos com tela, que são usados como brinquedos pelas crianças, e sobre que tipo de impacto isso tem no desenvolvimento e na saúde delas. É mais fácil falarmos que um alimento pode fazer mal ou bem (ser saudável ou não, estar estragado, conter toxinas…) do que falar que algo ao qual assistimos, algo que não nos “acessa” diretamente (de forma física), teria impacto sobre nosso corpo. Nesse sentido a gente é bem materialista, no sentido de acreditar que algo que não age diretamente sobre o corpo não tem impacto sobre ele. Esta falta de interação física assina a certeza para algumas pessoas de que não há problema.

Vamos aqui então fundamentar o desenvolvimento da criança de acordo com a pedagogia Waldorf, os elementos que nos fazem falar sobre esse assunto numa Escola Waldorf e o porquê desta pedagogia ter tantos elementos para ter desconfiança da sanidade (no sentido de salubridade, de conduzir ao bem-estar e à saúde) deste tipo de brincadeira (com dispositivos eletrônicos). 

Não vou falar propriamente contra ou a favor de uma coisa que virou realidade. Por exemplo, teve uma época que não existia carro (o palestrante nessa hora mencionou um livro sobre a história da tecnologia como sua fonte de dados, mas não especificou qual). Aliás, teve uma época na história humanidade que tinha gente que provava que um corpo humano num carro a 60km/h ia se desintegrar. Então, fazendo um paralelo, poderíamos estar falando aqui contra os carros, pois tanta gente se acidentou, tanta gente está aleijada, tanta gente morreu por causa dos carros e, no entanto, a gente se adaptou a eles e estamos aqui. 

Hoje, com a complexidade do mundo, é como se fosse uma contracultura um pouco descabida falar mal das mídias eletrônicas. A coisa cresceu, tem uma maravilha e um facilitador nelas, seria descabido ficar falando mal disso. Portanto, não há nenhum intento em falar bem ou mal disso. O ponto central é falar do desenvolvimento infantil e sobre o momento apropriado para a criança interagir com as tecnologias. O foco é falar sobre o impacto desse uso na infância, especialmente na primeira infância e, mais particularmente, nos primeiros anos desta.

Tem uma determinada fase da vida em que talvez não seja apropriado este contato predominantemente visual e auditivo (com os meios digitais). Eu os estou chamando de brinquedos e não é usual chamá-los assim. A gente está ainda muito fascinado com isso, é tudo muito novo e por ser um aparelho caro (referindo-se ao celular), avançado, sofisticado, a gente tem tendência a achar que não é brinquedo. Contudo, quando a criança está com o aparelho celular ela brinca com ele, para ela é um brinquedo, é uma espécie de “autorama” ou brinquedo eletrônico sofisticado, sedutor, muito excitante, que prende muito a sua atenção.

Mas é importante considerar que o universo da criança é o da ação lúdica. Há muito interesse pelo mundo e muito pouca “seriedade” por parte dela – no sentido da malícia, da dramaticidade, de conhecer o que tem por trás das coisas. Ela é um ser festivo, crente, ingênuo, puro, brincante: de uma extrema disponibilidade, simpatia, leveza, bom humor e de uma tendência natural a não se contrapor, a não vivenciar as coisas como dramáticas, sérias, perigosas. Por exemplo, o paladar dela não é apurado. Se a gente oferecer açúcar para 20 crianças de seis meses é bem provável que todas o experimentem com sensação de prazer, com um certo gozo, certa simpatia; elas não têm capacidade crítica do que faz bem ou mal. 

Isso que eu estou apontando pode parecer desnecessário dizer, mas não é não. Muitas vezes os pais não têm clareza de como conduzir a educação dos filhos e a entrega “a gosto do filho”. Algo justificado pela lógica: “Eu gosto do meu filho e é disso que ele gosta”. Por exemplo, eu vi um familiar meu dizer recentemente: “Eu deixo meu filho (de 1 ano) ver TV porque ele gosta”. Ele ainda não fala, mas dá sinais nítidos de alegria, de simpatia, de prazer diante da vivência. Portanto, para falar de questões que podem ser problemáticas para o desenvolvimento da criança temos que “vencer” a simpatia que ela, e por vezes seus próprios pais, têm por esse tipo de dispositivo.

Sucintamente, elencamos que os dispositivos eletrônicos não têm contato direto (com o corpo físico), a criança gosta deles e, por fim, os adultos também interagem com eles sem que isso lhes cause problema direto. A menos que lidemos profissionalmente, é difícil associarmos nossos problemas à tecnologia. Por isso tem todo um contexto que pode tornar o assunto polêmico, pois nós próprios (adultos) avaliamos que estes produtos são muito bons, facilitam nossa vida, pagamos caro por eles. Por isso eu não gostaria de pontuar se são bons ou não em si, se tem uma força traiçoeira ou “demoníaca” por trás… Nossa questão não é julgar isso. Queremos analisar o assunto à luz na educação infantil.

A função sensorial da criança é bastante complexa. Nós (seres humanos) temos todo um mundo sensorial e de percepção que não é só audiovisual, que está relacionado ao que não é diretamente percebido. E tem toda uma necessidade de controle em relação a isso, de educação dos sentidos. Por exemplo, vocês agora escutam a minha voz, mas não são surdos para outros estímulos sonoros como o barulho do aparelho de ar-condicionado. Mas temos um foco, é preciso uma certa educação dos sentidos para  colocarmos a audição onde quisermos. Vocês podiam focar olhar para outros lados ao invés de me olharem. É preciso uma educação dos sentidos, um controle de nossa parte. Várias outras experiências requerem a educação dos sentidos para mantermos o foco. Vamos dizer que vocês queiram se tornar provadores de vinho, tem todo um treinamento. Ou fazer malabarismo: no início você não vai dar conta mas aos poucos você vai dominar a percepção do movimento da laranja e da sua mão e a coordenação dos movimentos. Tem percepções que são muito ligadas ao corpo e outras ao mundo exterior. 

Primeiro percebemos o próprio corpo, depois o meio ambiente e, depois, algo que existe no ambiente (mas não é a natureza) que é a obra do homem, a cultura (a organização social, o que chamamos de cultura propriamente dita, o folclore, as danças, a poesia, as artes de modo geral, aquilo que nos ensinam…). Por exemplo, agora além de me ouvir, vocês tentam captar meus pensamentos e elaboram ideias. 

Assim, existem as percepções da visão, da audição, da temperatura, da natureza, e existem as percepções internas relacionadas ao próprio corpo. Elas precisam ser “resolvidas”, no caso, é preciso que haja controle da função corporal através do desenvolvimento motor. Existe o processo de autopercepção que a neurologia chama propriocepção (percepção de você mesmo e do controle sobre você). É muito fácil exemplificar isso através do recém-nascido: seu movimento passa aos poucos de involuntário para voluntário. Ele tem movimento anárquico, não tem capacidade de operá-lo, é capaz de se movimentar mas não de controlar, por exemplo, ele olha mas não consegue ter um foco. 

O processo de controle começa com o movimento amplo através de uma série de conquistas do corpo – que repete um pouco das etapas da evolução neurológica em que alguns animais pararam. O bebê se arrasta como um réptil (por exemplo, uma lagartixa ou um jacaré), num determinado momento ele dá um passo na evolução e passa a se movimentar como um gato, o que a gente chama de engatinhar. 

Assim, nós “continuamos” na evolução neurológica. Vencemos etapas até ficar de pé. Organizamos nossa estrutura nervosa e damos um passo além na conquista de uma nova postura na qual precisamos de um enorme equilíbrio. O ser humano é bípede, consegue ficar em pé sem cair e sem fazer esforço, o que requer um grande controle de motricidade. Alguns animais, quando o conseguem, o fazem com grande esforço. É uma grande conquista motora ficar em pé sem fazer esforço, sem cair. É um processo completamente interno de ganho de motricidade e precisa ser bem resolvido numa determinada fase da vida porque tem data marcada para ocorrer. A fase intrauterina, de nove meses de desenvolvimento celular, também tem que ser resolvida por completo. 

Como estes, há outros processos de desenvolvimento que são visíveis e podem avaliados através das funções adquiridas. Por exemplo, a troca dos dentes. Não temos autonomia sobre sua ocorrência, tem um período de maturidade em que o processo vai acontecer sem que tenhamos possibilidade de escolher o momento. Mesma coisa com o desenvolvimento do sistema nervoso. Na fase intrauterina o desenvolvimento da cabeça é avassalador, as células do cérebro estão em intenso processo de reprodução povoando este órgão através de núcleos em lugares diferentes – e isso continua depois que o bebê nasce.

Antes de nascer, o bebê fica isolado (na barriga) da percepção sensorial externa. Após nascer, ele começa a ser exposto a estímulos e percepções externas, à visão, ao tato etc. Então as áreas de percepção vão se desenvolvendo a partir dos estímulos. Quando tem atividade na área, o processo se desenvolve. Existe o potencial, mas também a necessidade da vivência para que se desenvolva. E a coisa acontece mais ou menos assim: já viram filhotinhos de tartaruga, os quais nascem milhares e somente uma parte sobrevive? Com os neurônios também é assim, são áreas hiperpovoadas, são células com vitalidade, com capacidade de reprodução e de fazer conexão enormes, mas são sabidamente fadadas, em grande parte, a morrer. Faz-se um milhão de células para 100 mil serem usadas. 

Existe um potencial de desenvolvimento muito grande na fase inicial e esta fase vai ser muito decisiva. E isso na criança é muito decisivo porque na infância sempre é assim, por um lado, tem muita vitalidade, mas por outro tem muita sensibilidade. Ela é muito afetada pelo mundo, mas é “macia” também, tem muita capacidade de se regenerar. É como se a criança viesse ao mundo sabendo que vai enfrentar dificuldades, ela vem com um “cantil”, com um suporte para o que vai acontecer. O problema se dá quando estas dificuldades começam a ser grande demais e começa a ocorrer um processo de excesso, de desgaste, de desvitalização de uma atividade que está mais em função de consolidação das estruturas (cerebrais e motoras) do que propriamente do crescimento e desenvolvimento prévios necessários destas mesmas estruturas. 

A gente pode vivenciar coisas que mobilizam dentro da gente um certo desgaste e essas coisas acontecem quando vivenciamos sustos, falta de ritmo, excitabilidade, nervosismo, enfim, quando temos uma atividade que nos preocupa, ela nos desgasta muito mais do que uma atividade física ou lúdica cansativa. Dizemos: “Ah, foi a energia que eu gastei na atividade que me desgastou”. Às vezes, você gasta mais energia enquanto ficou sentado, recebendo um monte de notícia que te deixou arrasado, do que a energia que despendeu de férias numa praia, correndo, se exercitando. 

Sendo assim, existem vivências que criam uma reação de desgaste e outras que criam reação de vitalização. A “grossíssimo” modo, as vivências que acontecem via sistema nervoso tem a ver com os processos de desvitalização e as que ocorrem por via muscular, calor corporal e ativação da circulação têm a ver com os processos de vida. No adulto, o nervo é um tecido desvitalizado, que não contém capacidade de reprodução, de regeneração. Ele formata, estabelece territórios governados de maneira estruturadas. Quanto mais atividade nervosa numa parte do corpo, maior a consciência dessa parte – e também menos vida. Por exemplo, temos muita consciência da pele mas sua camada externa é desvitalizada, composta de células mortas. Quando há presença de sangue, o tecido torna-se irrigado, quente; o sangue é capaz de “adubar” os lugares que ele acessa. Já o sistema nervoso chega criando forma, endurecimento. Um traz consciência, o outro traz vida. Só que quando a consciência vem, vem também uma desvitalização. 

Essa associação entre consciência e desvitalização não é óbvia. A associação entre excesso de sangue e excesso de vida é mais fácil. Por exemplo, a inflamação é vermelha, quente e muito irrigada, há nela muita produção de bactéria, de células de defesa, começa a ocorrer “excesso” de vida. Desse modo, se o sangue não chega numa artéria o tecido dela morre. 

Não obstante, não é tão claro para nós que a consciência está associada ao contrário da vida, a gente tem que fazer um exercício para visualizar isso. A título de exemplo, perdemos a sensibilidade local se um nervo é cortado ou anestesiado (por exemplo, a anestesia do dentista que tira a sensibilidade do ramo de um nervo).Toda vez que a gente estimula demais o processo da consciência estamos investindo mais no processo da forma, do endurecimento.

 Portanto, o sangue é líquido, vermelho, quente; o nervo é sólido. Há uma polaridade. A vida vem através do sangue e a consciência vem através dos nervos (tecidos duros, especializados e  sem capacidade de regeneração). Temos no cérebro partes que assumem determinadas funções enquanto temos no abdômen órgãos polivalentes com diversas funções.  

A intensa atividade de reprodução celular cerebral nos primeiros anos de vida é herdada da vida intrauterina, portanto uma atividade em estágio de término. Esse grande potencial de formação de tecido existe enquanto o sistema nervoso não está “ligado”, o sistema circulatório está em franca atividade e a criança está dormindo, não enxerga, não escuta. Ou se enxerga e escuta é por uma dedução nossa. Numa observação simples ela está dormindo. Se ela percebe algo, ela o faz da mesma forma que uma criança que está dormindo). 

Nos três primeiros anos, a formação de neurônios ainda ocorre de forma muito intensa, especialmente no primeiro ano. A partir de então, a reprodução celular começa a diminuir com a formação da bainha de mielina (que “encapa” os neurônios). Após o nascimento, começam a ocorrer percepções do mundo externo. A criança adquire consciência progressivamente e, assim, cada vez mais ela vai vivenciar os impulsos que conectam seu sistema nervoso e seu caráter desvitalizador. Como se avalia isso? Através da análise de determinadas funções adquiridas e amadurecidas como o controle motor e capacidade de imaginação (assim como, grosso modo, podemos detectar se um abacate está maduro sem precisar abri-lo: sua cor, tom, cheiro, tempo de colheita). 

O cérebro é como uma moeda de dois lados: de um lado a motricidade e do outro a imaginação. Se o sistema nervoso não estiver bem desenvolvido, a criança pode ter deficiência na motricidade, hiperatividade ou falta de controle motor. Uma vez que a motricidade está desenvolvida, é preciso haver controle sobre o movimento. Não é simples como “quanto mais movimento melhor”. Existem níveis de desenvolvimento e controle plenos da motricidade. Uma criança pode ficar refém de sua motricidade se não adquire controle sobre ela. A gente tende a chamar de distúrbios de motricidade, hipermotricidade ou hiperatividade, atividade motora sem controle, agitação… 

Dessa maneira, não pensamos só na deficiência mas também no descontrole. Isso vale para todos os sentidos. Por exemplo, a visão. Posso ter falta de acuidade visual assim como posso ficar refém da visão, me deixar escravizar, ver coisas que não quero ver – como um voyeur excitado pela visão. Com o sabor é mais fácil visualizar: tem gente que não gosta de saborear alguns alimentos e tem pessoas vorazes que não conseguem se controlar na frente de uma torta de chocolate.

O cérebro abarca o controle da motricidade e a capacidade de imaginação, de pensar – que tem a ver com a memória, com a possibilidade de pensarmos no que não está presente. Sou capaz de vê-los agora e de “ver” o rosto do meu filho que não está aqui. Sou capaz de imaginar, de representar mentalmente, a memória é fundamental para imaginar o que estou contando. 

Eu posso contar que eu subi em um abacateiro, que ele era muito alto, tinha galhos muito altos, daí eu peguei um monte de abacate e desci. Este é o tipo de pensamento que vocês não viram, é o pensamento imaginativo. Existe outro tipo de pensamento que não é imaginativo, como: “Eu acho que deveríamos instituir no Brasil o ensino de algoritmos para as pessoas conseguirem emprego em fábrica de computador”. Este é o tipo de pensamento que contém ideia, raciocínio, que não contém imagem necessariamente.

A criança desenvolve tudo isso em etapas. A primeira delas é a capacidade de percepção sensorial. Depois vem a consciência da percepção, seguida pela imaginação e depois pela consciência reflexiva, que trabalha com as ideias e o raciocínio. A abordagem da pedagogia Waldorf divide-se e baseia-se nesses três degraus da consciências: no primeiro setênio ela trabalha fortemente a percepção sensorial; no segundo o pensamento imaginativo e, por fim, no terceiro o pensamento reflexivo. 

Na pedagogia Waldorf, primeiro a gente mostra e não precisa dizer o que está sendo mostrado, pois a criança ainda está adquirindo a capacidade imaginativa. A capacidade imaginativa começa a se desenvolver de forma bem intensa em torno de 4 e 5 anos e aos 8 anos a criança chega ao auge dela Na fase anterior, ela “pensa” no que ela vê, o pensamento é sensorial. Depois que a criança organiza a consciência perceptiva vem a consciência imaginativa e, por fim, o pensamento. 

Assim, nos primeiros sete anos predomina a percepção sensorial. A gente busca fazer uma educação baseada na imitação. A criança vai ver e vai fazer. Então a gente nem conta muito e nem explica. A gente mostra, a criança vê o que está sendo feito e pensa naquilo que vê, ela não precisa imaginar. A gente tenta mostrar um mundo que possa ser imitado (“o mundo é bom”). Num segundo momento, nasce a força de imaginação na criança, ela sente necessidade de imaginar, ela quer que contemos a ela o que ela não está vendo e fica fascinada pelo mundo da imagem (“o mundo é belo”). No terceiro momento, no terceiro setênio, explicaremos o que contamos (“o mundo é verdadeiro”). Dessa forma, por exemplo, primeiro a gente conta o conto inteiro, mas sem fazer juízo crítico. Depois que a criança o apreende (como se fosse um conto de fadas em que tudo é imagem) vamos começar a explicar porque as cenas aconteceram, o que as motivou, quem eram os personagens. O pensamento da criança está muito ligado à percepção sensorial num primeiro momento.

Se os eletrônicos não fossem uma percepção sensorial tão maravilhosa, encantadora e entorpecente, não se conseguiria que a criança permanecesse conectada a eles. É algo tão sedutor que a criança se encanta pelo mundo de fora sem ter se organizado internamente. Ela vê e ouve uma série de movimentos com os quais ela não pode interagir, a interação é virtual. Isso comporta diversos problemas:

  • A vontade de se mover sem ter com quem ou com o que interagir;
  • O fato dela não se movimentar de fato enquanto “interage” com eletrônicos: correr, nadar,  lutar, jogar bola… Seu sistema motor não está sendo desenvolvido.
  • O tempo que ela despende com os aparelhos digitais e o que ela faz quando não está com eles, em que ambiente ela vive. Se ela tem muito espaço para correr, brincar etc. é um cenário. Se ela só anda de carro ou de elevador, vive numa cidade grande ou brinca só com coisas que não estimulam a sua motricidade, o cenário é outro, a conta vai ficando prejudicial. 
  • A sedução dos eletrônicos ao simular um mundo mais interessante que o mundo real. As telas emitem luz e o mundo real não. Sensorialmente falando, se eu não estiver na TV eu não irradio brilho, não sai luz de dentro de mim.  Um mundo que emite luz é muito mais sedutor.
  • Além disso, não é um mundo que cause problemas. Você o muda se ele não estiver bom, procura o que quer e acha. É um mundo que facilita a vida em todos os sentidos.

Para quem elabora os conteúdos das mídias, a questão é como manter um ser humano em frente a uma caixa de luz durante uma hora ou mais. O veículo é uma “lâmpada”. Tem que acontecer alguma coisa muito interessante na tela, mas muito interessante mesmo para ficarmos fixados a uma caixa de luz. Algo muito interessante para quem tem apenas consciência sensorial (como a criança pequena) é sinônimo de uma coisa sensorialmente excitante e estimulante. Então tem que desenvolver uma série de técnicas: botar para piscar, movimentar, falar, mover, gritar para que o conteúdo vença a dificuldade de ficar olhando para uma lâmpada.

Olhar para uma lâmpada pode ser algo tão entorpecente que cansa a ponto de fazer dormir. Às vezes não estamos conseguindo dormir, vamos para a frente da televisão e adormecemos. A luz na qual focamos desgasta a energia que ainda nos restava. 

Quando estamos falando deste tipo de aparelho, as pessoas têm uma tendência a achar que estamos falando do conteúdo dos programas. A gente é muito conteudista. Há coisas que são maravilhosas e outras não, mas a questão não é essa. O que está passando é um problema à parte, se bobear muito maior do que o aparelho. 

Mesmo quando os programas são considerados aptos para determinada faixa etária, têm conteúdo educativo e são palatáveis são invariavelmente interrompidos por intervalos comerciais; o próximo programa pode ser inapropriado; viramos as costas e a criança tem o controle para mudar de canal. Quando a criança cresce e acessa a internet com dois ou três toques ela vai começar a entrar num mundo que se o adulto estivesse vendo não deixaria ela entrar. Não é possível imaginar que a internet é só uma maravilha para acesso a conteúdos e que facilita as coisas. Tem um monte de porcaria que crianças podem acessar da mesma forma que podem acessar os conteúdos pedagógicos apropriados.

Visto isso, essa “atividade” que vai para o lado da desvitalização, vai para o lado do cansaço. É um excesso de consciência que vai ter um impacto na formação do cérebro assim como um excesso de som ou de luz talvez machuque os olhos e os ouvidos. Se tiver excesso de eletrônicos talvez “machuque” a consciência da criança (Consciência demais, estar acordado demais, pensando demais). 

Já há alguns estudos relacionando o câncer de olho ao uso de telas. Sem contar os malefícios à formação da coluna que estão mais do que estabelecidos. Você pode dizer que fica pouco tempo por dia diante da TV, mas deve se lembrar que a assiste desde a infância.

Tem crianças que usam demais os eletrônicos, então tem alguns preceitos que estão mais ou menos estabelecidos. Por exemplo, as universidades americanas de psicologia do desenvolvimento estão fazendo uma campanha para que a criança não seja exposta à tela até os dois anos. Nos congressos de psiquiatria consta sempre na programação o impacto da vida virtual na vida mental das pessoas porque há uma incidência enorme de correlação dos meios digitais com a depressão, com a anorexia; estão cada vez mais relacionado-os à adicção, ao vício do sistema neurosensorial às telas. 

Hoje existem levantamentos estatísticos relacionando o uso de telas ao suicídio de crianças e adolescentes. Tem toda uma complexidade de falta de desenvolvimento neurológico, de falta de estímulo sensorial, pois na hora que estou de frente para a tela eu não imagino, eu vejo. Isso vale para o adulto também. 

Imaginem que eu conto um conto de fadas para vocês o qual vocês nunca viram o filme nem nada. Vocês vão imaginar o conto, não vão vê-lo. Agora imaginem que eu faça um filme e o mostre, ele virou sensorial. Toda vez que eu mostro eu não desenvolvo a capacidade de imaginar. Todo mundo aqui poderia ter uma Branca de Neve própria, mas todo mundo tem uma Branca de Neve padronizada. Se eu pusesse três desenhos aqui é bem provável que todos apontassem a Branca de Neve do desenho do Walt Disney. Você viu a Branca de Neve, agora ela é o que você viu, você não a imagina mais. A riqueza de desenvolver a imaginação e consciência esmorece através do uso da tela porque ela te mostra a imagem pronta. 

A palavra intelectia vem de tela. O intelecto é capacidade de refletir, de ver mentalmente uma coisa do mundo na “minha tela” (o pensamento). Quando eu trago a tela dos eletrônicos para mim eu me alieno do mundo real sem criar e exercitar as minhas “telas internas” de pensamento e imaginação. 

Isso tem a ver com a visão que é aparência, não faz-se contato com a aparência. A visão é um sentido que facilita muito. Eu posso ver tudo e não preciso me expor a nada no sentido de me confrontar com as dificuldades reais. A criança começa a ir para o mundo de fora sem ter se desenvolvido internamente. O jeito é propiciar atividades que a desenvolvam internamente sem fazer com que ela se sinta tão seduzida por este mundo. 

Nesse ponto, a gente pode também imaginar um mundo excitante fora na tela e isso também é complicado. Eu posso não deixar que a criança fique calma, parada, tranquila, voltada para si mesma se houver muito barulho, briga, confusão…. Ela pode ser excitada o tempo inteiro e isso afetar a consciência do mesmo jeito. Também caberia a discussão do conteúdo ser mais ou menos excitante para a faixa etária. Ouvir música clássica ou assistir a um filme de guerra na televisão gerará efeitos distintos, saímos de um drama, de uma tragédia ou de uma comédia completamente diferentes. 

Se pensarmos nos reinos da natureza, tem o reino mineral, o reino vegetal, o reino animal e o homem como a “cereja do bolo” do reino animal. Os computadores estão no reino mineral: não é planta, não é bicho, não é gente, não cresce…  As telas são mortas, são brinquedos mortos e a criança se impregna deles, podendo se desenvolver menos motora e mentalmente. Sua capacidade de imaginação e de fazer juízo podem ficar prejudicadas. 

Nas histórias muito simples dos desenhos animados começa a ter moral da história, o conto começa a virar pensamento. Na pedagogia Waldorf, enquanto a criança está fase imaginativa exploramos os contos de fadas. Quando ela começa a acordar o pensamento reflexivo saímos dos contos de fadas e entramos nas fábulas que têm uma “moral da história” (ao contrário dos contos de fadas que obrigatoriamente não podem ter uma conclusão pensamental). Já os desenhos animados quase sempre têm moralidade. Faz com que as crianças cheguem a determinadas conclusões sem a maturidade necessária para tal. É com isso que trabalha a mídia. 

Quando se fala da mídia, muitos falam de uma armação, de uma conspiração para que as pessoas sejam conduzidas. A mídia pressupõe uma ingenuidade de quem vai receber a informação. Isso não só em nível de posicionamento político mas no sentido de conduzir as necessidades de consumo. As crianças são vítimas fáceis dos apelos ao consumo. Em condições normais, não há nada que as fariam valorizar uma marca de tênis importado em detrimento de um tênis nacional. Porém, elas evidentemente não tem recursos para discernir isso e pedem aos familiares, de fato, que lhes comprem uma marca, não um tênis.

Ontem eu assisti a uma entrevista de um ministro do Supremo. Ele disse que estamos vivendo uma cultura do crime na qual o mais perverso é que famílias que vivem em contato mais direto com os meios eletrônicos estão “perdendo” seus filhos por falta de opção (os pais trabalham fora, as crianças ficam entregues à televisão o tempo todo, sem alternativas de educação e trabalho e convivendo com pessoas que têm dinheiro e poder). 

Não sei se é exagero meu, mas me parece que ocorre um fenômeno parecido (nas classes mais favorecidas): a gente não consegue oferecer uma coisa mais interessante para a criança, nos afastamos dela, ela fica em contato com isso. Vale perguntar: quem mesmo está fazendo essa programação toda? Tudo ali é pago, tudo é vendido, tudo tem interesse financeiro, é mercado o tempo inteiro, custa-se a achar algo que está comprometido com o desenvolvimento da criança. Quando é só entretenimento, no mínimo no meio tem o comercial. Mas quase tudo o que está sendo passado tem valores incutidos. Entregamos a educação das crianças a um produto extremamente consumista, capitalista e materialista. 

Se assistirmos aos desenhos animados sob a ótica do feminismo, por exemplo, as mulheres são valorizadas pela aparência, como produto de consumo a partir de seu corpo e do que vestem. Está lá, no desenho animado e é uma brincadeira. Para muita gente se o mesmo conteúdo aparecesse numa peça de teatro adulta seria abominável. Já a figura masculina aparece como aquele que briga, ganha, humilha os outros, é valorizada pela quantidade de músculos. Entra no âmbito conceitual de como a criança vai conceber a vida.

Eu queria falar mais uma coisa que tem a ver com a história do corpo e que não tem a ver com a motricidade. Seria sobre as vivências corporais dolorosas e prazerosas que também precisam ser aprendidas. As crianças expõem seu corpo ao mundo não só com a motricidade: elas tropeçam, sofrem, o mundo é duro, ela é frágil, tem toda uma vivência do corpo que não é só motricidade. Tem prazer e dor, a excreção de dejetos, a sensação de alívio. A não vivência do corpo pode trazer estranhamento, desconhecimento das percepções sensoriais dele. Quando a pessoa fica obcecada por algo ela pode se alienar das necessidades do seu corpo. 

No mundo virtual o corpo não participa: há possibilidade de se satisfazer, de lutar, matar, esfaquear sem envolver o corpo. Há confronto sem que haja dano ao corpo. Estão ocorrendo reações devido a exposição demorada às telas como a completa falta de noção dos processos corporais. Está ocorrendo também muito impacto no tempo do sono. Crianças ficam 24 horas jogando, às vezes até por mais tempo. 

Um psiquiatra de São Paulo me contou que uma mãe se tocou sobre a adicção do filho aos jogos quando os vizinhos a avisaram que ele estava jogando as cuecas sujas pela janela. Ele não conseguia parar de jogar para ir ao banheiro e se sujava.

Isso leva a um isolamento social tão grande que a criança ou jovem vai passar a sofrer de solidão. Provocar dor no corpo através da automutilação talvez seja uma forma de objetivar o sofrimento, de vivenciar o corpo através da dor. Rompe-se completamente a percepção do corpo, do mundo; gera-se imaturidade, atrofia motora e da capacidade imaginativa.

As pessoas estão ficando viciadas nas substâncias internas que são produzidas pela excitação. É um vício químico que não é gerado por um estímulo químico, mas por um estímulo que produz a substância química. Produz-se substâncias químicas que produzem sensações internas viciantes. Quando acaba a excitação, começa a síndrome de abstinência, a pessoa começa a ficar agitada, nervosa, agressiva. Ela precisa entrar em contato com o estímulo de novo para produzir dopamina, serotonina etc. 

Algumas drogas viciam porque liberam substâncias nossas, não são drogas que atuam por si só. Outras drogas, sim, são tão similares à estrutura humana que atuam diretamente. Se a adrenalina é injetada no sangue aciona-se o sistema simpático, a pessoa fica a mil. Mas isso pode ocorrer sem a aplicação da adrenalina. Se eu sacar uma arma agora, o coração de todos vai disparar, o sistema nervoso vai produzir uma série de substâncias. As vivências são completamente diferentes se vejo uma praia ou um assassinato.

Há tentativas de estabelecer parâmetros de exposição das faixas etárias. às telas. Isso é meio patético, mas existe. A pedagogia Waldorf há muito desconfia dos meios eletrônicos, desde que eles eram inéditos. Quando começamos a falar disso não havia tanta pesquisa sobre o assunto como há hoje. Agora já estamos até ultrapassados. Existem especializações em psiquiatria aprofundadas e clínicas especializadas no assunto. Se você ainda tem desconfiança do que estou falando, acorda, e vai se inteirar porque tem muita coisa sendo feita e produzida sobre isso. E cada vez mais as estatísticas de suicídio de adolescentes é assustadora; por mais que  tenha a ver com uso drogas, a correlação maior é com o tempo de exposição às telas, é o elemento que mais impacta estatisticamente. 

Pode-se argumentar acerca do equilíbrio e capacidade de resiliência prévios da pessoa. Claro, a propensão à depressão e ao suicídio torna o sujeito mais ou menos vulnerável. Já uma criança de um ano é completamente imatura, não há que se perguntar se ela teria equilíbrio para interagir com as mídias. Até dois anos de idade a criança não devia ser exposta a tela alguma. Aliás, acima de duas horas por dia já pode ser patogênico, inclusive para os adultos. 

Não temos como avaliar os impactos dos dispositivos, eles são muito recentes na história da humanidade. Fora toda a parte da influência magnética que vem sendo pesquisada e não estamos abordando. Algumas pessoas aqui não tiveram computador na infância; o celular é novíssimo. O impacto é enorme, estamos absolutamente seduzidos, os aparelhos facilitam e viabilizam nossa vida (nas cidades grandes especialmente). 

A história do computador começa em torno de 1600 com máquinas de rodar a mão, como se fossem caixinhas de música. Depois, em torno de 1800, começaram a fazer cartão perfurado que eram inseridos dentro da máquina e mudavam ligeiramente o rumo dela. É uma técnica com lógica, é uma tecno-logia, não é um ser vivo, é um aparato capaz de processar, mas não de pensar. A humanidade adquiriu aprimoramento cerebral durante muitos anos. Primeiro ela desenvolveu sua inteligência, tornando-se então capaz de desenvolver tudo isso. 

O ser humano começa a vida como um peixe (no útero da mãe), depois se arrasta como um réptil, engatinha como um animal… Os primeiros anos da infância são muito “primitivos” para se entrar em contato com uma etapa “final” da evolução. As máquinas estão no final da evolução. Elas são muito sensacionais, complexas, sedutoras, estimulantes. É como se tirasse a criança das fases fundamentais e básicas para ela entrar de forma muito rápida em algo muito complexo, estimulante, sedutor e que excita muito por ser muito maravilhoso. 

É bom demais para a criança. Ela precisa viver primeiramente um BOM, que não é tão bom, com o próprio corpo. É preciso que ela vivencie suas sensações corporais e a própria realidade sem que se exponha a um mundo externo tão excitante. 

Jogar é brincar bem claramente. Até bem pouco atrás, era uma tragédia na família se alguém se tornasse viciado em jogo. Era alguém que botava tudo a perder. O pior que podia acontecer nas famílias era alguém se tornar alcoólatra, doente, viciado. Hoje a situação está pior e ninguém fala mais disso, tem até quem ache bom o vício nos chamados “games”. 

A interação com os meios eletrônicos começa pela sedução e acaba na obsessão se a pessoa não tem resiliência e equilíbrio. Pois leva para o mundo de fora sem deixar que fique no “dentro”. Eu ligo o aparelho porque não tenho nada para fazer, não consigo ficar sem fazer nada. O “nada” é o contato consigo mesmo: pensar, rezar meditar… É uma total inabilidade de ficar consigo que faz aderir aos eletrônicos (gerando um círculo vicioso). 

A hiper-realidade prende demais o sensório. O sonho é uma vivência imaginativa, sonha-se em imagens. O excesso de luz e de som cansa e estressa, não estimula os sonhos, os músculos, o sistema cardíaco. É “conversa” com a cabeça no sentido de “acordá-la” gerando desgaste do corpo etérico. É um processo estressante, estimulante, desgastante. 

A área da comunicação é mercurial, é aquilo que torna comum e divulga. Mercúrio distribui e populariza, não deixa nada parado, é o deus do comércio; põe tudo a mover, mas é superficial. Vivemos numa época mercurial, de encantamento pela novidade, das aparências, da superficialidade, da padronização, da rapidez e da falta de reflexão. O deus oposto ao Mercúrio é Saturno, que é lento, mais velho, profundo, mais sério, é totalmente essência. Estamos numa época de “pouco Saturno”, pelo menos no que tange à comunicação.

O mérito do computador é ter memória. Podemos acessá-la quando queremos. Contudo, a memória computacional esmorece a força que forja a nossa própria memória. Ela também não tem a magia de nos alimentar ao enfraquecer a nossa capacidade de imaginação (que é totalmente ligada ao desenvolvimento da memória). O professor consegue perceber claramente que a criança que tem muito acesso às telas adquire menos  memória dos conteúdos escolares.

Segundo Steiner, uma boneca rindo é extremamente danoso para a capacidade imaginativa da criança. Porque dificulta que ela imagine a boneca chorando, por exemplo. Falar disso hoje parece até piada, tem boneca no computador para “nutrir” se não ela morre. Ao mesmo tempo, estamos perdendo a mão no processo de desenvolvimento da capacidade imaginativa das crianças. Cada dia a mais vivido pela criança é um dia a menos dela ser criança. 

Crianças com hiperatividade não amadureceram sua parte motora e neurológica. Faltou subir em árvore, correr, lutar, rolar. Se isso não ocorre nos primeiros sete anos ela fica com imaturidade do sistema motor, é como cavalgar sem ter o domínio sobre o cavalo. É preciso desenvolver o movimento voluntário no lugar dos movimentos involuntários anteriores, se não o involuntário acaba “mandando” na motricidade e cria-se impacto no desenvolvimento total da criança por uma questão motora. 

Assumir não dar acesso aos eletrônicos até os três anos de idade da criança pode muito benéfico. Tirar a televisão de casa pode ser salutar até para o adulto. No 1º setênio é preciso que “peguemos a criança pela mão”. No 2º tem que “pegá-la” pelo coração, pelo vínculo afetivo. No 3º setênio damos maior acesso à informação, ao conceitual; o adolescente se liga ao adulto por causa de suas ideias e de sua competência como adulto. Expor a criança a uma frequência maior de virtualidade seria mais apropriado no terceiro setênio, no qual ela está mais protegida do que quando é mais volitiva (1º setênio) e afetiva (2º setênio). 

  1. CURRÍCULO DO 5º ANO WALDORF: JOGOS GREGOS

Até a puberdade, o jovem deve apropriar-se, por meio da memória, dos tesouros sobre os quais a Humanidade pensou; depois é a época de permear com conceitos o que ele, anteriormente, gravou bem na memória. Portanto, o ser humano não deve simplesmente lembrar o que ele compreendeu mas, sim, deve compreender as coisas que ele sabe, isto é, das quais, por meio da memória, ele se apossou, tal como a criança se apossou da fala. Isto vale para um âmbito muito amplo.

Rudolf Steiner, GA 34, pp. 30-31.

No 5º ano, a criança encontra um equilíbrio no desenvolvimento físico e conquista bons hábitos de aprendizado. O ensino de culturas das Antigas Civilizações traz para o aluno contribuições da Índia, Pérsia, Mesopotâmia, Egito e Grécia para a compreensão do mundo. Este é o ano da mudança da pré-história e das histórias míticas para a história formal. A época de estudo da Grécia antiga é marcada pela reencenação dos Jogos Olímpicos Gregos

As competições costumam abarcar as modalidades do pentatlo: arremesso de disco, lançamento de dardo, luta grega, salto à distância e corrida. Durante as provas, as crianças têm a oportunidade de enfrentar o adversário e se fortalecer a partir dos desafios apresentados. Os times, nomeados como Atenas, Olímpia, Esparta e Corinto…, saem sempre vitoriosos por sua participação, coragem e espírito esportivo. 

  1. FUNDAÇÃO DO JARDIM-ESCOLA MICHAELIS – RODA DE CONVERSA COM SUA PRIMEIRA PROFESSORA, PAULA LEVY, COM CONTRIBUIÇÕES DAS MÃES FUNDADORAS. 

Texto: Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

Resumo livre da palestra ministrada no dia 22/09/18

O importante não é a perfeição com a qual conseguimos realizar o que deve provir da vontade, e sim que o que tiver de surgir nesta vida, por mais imperfeito que venha a parecer, seja feito uma vez para que haja um começo. Rudolf Steiner.

Paula Levy começou seu relato ressaltando a alegria de estar na escola 25 anos depois, testemunhando a permanência de um projeto que começou com muitas dificuldades – e que ela sabe que prossegue em meio a muitos desafios. Ela expressou sua gratidão aos que hoje se dedicam à escola e ressalvou que, durante o relato, expressaria sua gratidão aos que a empreenderam. Além do trecho de Rudolf Steiner, lido por ela na abertura e aqui transcrito, ela começou sua fala com a história de um menino que sempre pedia ao pai para “começar o começo” da tangerina: “Pai, começa o começo!”. Segundo ela, fazer o primeiro furo na tangerina é muito difícil e a criança pequena não consegue normalmente. Feito o primeiro furo, tirar o resto das cascas se torna mais fácil.

A partir dessa imagem, ela buscou demonstrar o quanto foi difícil “começar o começo” de uma escola Waldorf  “do nada” no Rio de Janeiro, onde “a casca é muito dura, mesmo que seja muito doce.” Nesta cidade, as iniciativas antroposóficas têm, notadamente, muita dificuldade de prosperar. Observe-se, segundo ela, conforme os relatos de todas as gerações até hoje envolvidas na escola, que todo o percurso do Michaelis foi a passos muito lentos e árduos, embora muito amorosos e de muito idealismo. Vê-se que seu primeiro ciclo do Fundamental demorou a ser implantado e, até hoje, o segundo ciclo não o foi (quando tantos outros jardins e escolas Waldorf partem, de forma muito mais rápida, para o primeiro ciclo e mesmo para o segundo).

Sua fundação percorreu o caminho mais difícil, que é o de não ter dono e constituir uma associação sem fins lucrativos, para que ele pudesse prosperar na cidade como um “templo da educação” para todas as famílias que, nos anos futuros, também desejassem esse impulso para seus filhos. “É importante que a gente vele e zele para que a memória, o começo do começo, nunca se perca. Porque nele surge o olho d’água a partir do qual o leito vai se formando aos poucos. A gente não pode nunca deixar que esse olho d’água seque. Porque ele vai internamente jorrar vitalidade para a instituição se esta souber carregar na sua alma essa imagem, esse arquétipo do que ocorreu há 25 anos. Quais foram os intentos, quais foram os impulsos que conduziram à fundação?”

Paula Levy destacou como símbolos da trajetória de luta e de perseverança da criação da escola os atos de coragem de uma das crianças pioneiras, que veio a falecer, e o de sua mãe (que se recusou que ela fosse alfabetizada precocemente em outra escola e resgatou a iniciativa do grupo de pais fundadores no momento oportuno). Bem como ressaltou todos os demais atos de determinação que foram fundamentais ao percurso: o de Elisabeth Soares, o de Daisy Cabrera, o de Denise Domingues e o de todas as mães precursoras incansáveis. Aquelas que estavam presentes ao relato asseveraram a importância vital da própria Paula Levy (que oportunamente retornou à escola e assumiu o primeiro mandato da presidência da Associação Mantenedora após sua implantação).

Conforme o relato, tudo começou numa pequena escolinha, na Tijuca, que se chamava Arte no Quintal na qual a dona, Elisabeth Soares, fazia um trabalho muito intuitivo. Ela cuidava dos mínimos detalhes, plasmando um ambiente e um trabalho pedagógico fantásticos, de muita sensibilidade. Quem entrava naquele bonito casarão, com uma mangueira e um quintal de terra, sentia que atravessava um portal que ia ao encontro de uma infância verdadeira para as crianças. De uma infância com a possibilidade de brincar livre e de muito respeito, cuidado, carinho e aconchego.

Contudo, chegou o momento em que a proprietária sentiu que precisava de amparo e de embasamento maior. Foi nessa busca que ela se encantou pela Antroposofia. Ela então decidiu permear a Arte no Quintal com a Pedagogia Waldorf.

Iniciou-se assim, nos idos do ano de 1991, sua busca por algum professor experiente que quisesse morar no Rio de Janeiro. Note-se que, àquela época, não existia internet e todas as facilidades comunicativas que dispomos hoje. Nem mesmo a Federação das Escolas Waldorf do Brasil existia, de acordo com Levy. O movimento da Pedagogia Waldorf era muito restrito.

Elisabeth finalmente conseguiu travar contato com Paula Levy, que tinha 25 anos à época e era professora Waldorf de educação infantil em São Paulo. Devido ao convite bem intencionado, afetuoso e de firme propósito de Elisabeth, e movida também por motivos pessoais, Levy aceitou-o. Concomitantemente, Soares fez um trabalho admirável de compartilhamento dos seus intentos junto aos pais envolvidos na sua iniciativa.

Porém, depois que Paula chegou ao Rio de Janeiro, Elisabeth começou a enfrentar muitos problemas administrativos, financeiros e pessoais. “E o que nós presenciamos, principalmente eu que tinha vindo com muita esperança, foi um ano de muito fenecimento. Um ano em que aquele trabalho, ao invés de florescer, começou a murchar”, relata Levy.

Após muita luta e relutância, a proprietária da escola Arte no Quintal comunicou que encerraria suas atividades no final do ano. Foi uma grande comoção. Os pais, as crianças, a professora e todos os profissionais da escola eram muito unidos. Levy havia começado um grupo de estudos e de trabalhos manuais com as mães.

Elas então começaram a procurar obstinadamente um novo espaço, porém sem sucesso. Até fevereiro do ano seguinte, algumas  não tinham matriculado seus filhos em outra escola na esperança de que ainda surgisse alguma solução. Todavia, devido às tentativas infrutíferas de ocuparem outro imóvel, cada família seguiu seu rumo. A vida das crianças precisava prosseguir.

Na Páscoa daquele ano, a professora e os pais reativaram o grupo de estudos, na tentativa de manter viva a chama da pedagogia antroposófica em suas casas e em suas famílias. As mães fundadoras presentes ao relato sublinharam a importância de Paula para seu crescimento e para se tornarem “pais Waldorf”. Levy, por outro lado, salientou que elas estavam muito dispostas, abertas e que ela foi tão somente uma facilitadora para o encontro delas com a ciência espiritual antroposófica. A cada dia, os laços de amizade, amor, solidariedade e confiança do grupo se fortaleciam mais. Começavam a nascer os frutos que gerariam as sementes da fundação do Jardim-Escola Michaelis.

Até que um dia, uma das mães decidiu tirar o filho da escola na qual ele estava porque estavam começando a alfabetizá-lo. “Eu acho que esse ato de coragem da Dora também foi muito decisivo, faz parte da história desta comunidade”. Ela começou a procurar incansavelmente uma casa que acolhesse o grupo novamente e encontrou a possibilidade de sublocação dos fundos de uma casa (onde funcionavam oficinas de artes) que continham: um quintal, uma escada que levava a uma edícula e um banheiro. Era preciso reformar e embelezar o espaço. As mães trabalharam com afinco e, nas férias de julho, fizeram uma colônia de férias experimental. A partir do resultado positivo, apesar dos percalços da sublocação, todas tiraram seus filhos das escolas em que estavam matriculados e aderiram ao novo projeto. O espaço era pequeno e precário, sem entrada independente. A casa era administrada por jovens, que davam muitas festas para incrementar o orçamento. Já para as crianças, ela era o seu “Castelinho”.

Numa das negociações para reajuste do aluguel, um dos jovens finalmente concordou em não aumentá-lo, revelando sua admiração pelo grupo que cuidava incansavelmente do espaço de seus filhos. Ele disse que elas eram como “flor de lótus no pântano”. Paula então frisa: “Nós nascemos flor de lótus, entendem? Isso tem um significado espiritual profundo que a instituição nunca pode esquecer.”

Com o tempo, Paula começou a sentir que precisava de maior aprofundamento teórico para “alimentar” as mães dos princípios da Pedagogia Waldorf e da Antroposofia. Em 1993, ela contatou Daisy Cabrera, estudante ativa da Antroposofia no Rio. Diante da impossibilidade de Daisy ajudá-la no momento, Paula teve o sonho de que ela tinha dado à luz a uma criança e que pedia à Daisy para ajudá-la a amamentar o bebê. Na primeira oportunidade, ela relatou o sonho para Daisy, que na hora falou: “Então eu vou! Conte comigo porque agora o mundo espiritual está me chamando”. Cabrera foi muito acolhida por todos e tornou-se um grande pilar, ajudando a transferir a escola para a sede da Comunidade dos Cristãos, no alto do bairro da Glória.

Ao final deste ano, Paula afastou-se para cuidar dos três filhos que nasceram seguidamente. Outra professora assumiu seu lugar. Em 1998, com a saída desta professora e o rareamento dos alunos, foi a vez de Denise Domingues, vinda com o filho pequeno de uma escola rural de Mirantão (RJ), perseverar. Ela disse que assumiria o Michaelis, da manutenção à docência.

Desde então, a escola vem crescendo de acordo com seu ritmo, como asseverou Levy. Primeiro mudou-se para a rua João Afonso, no Humaitá. Depois para a rua Visconde de Caravelas, atual endereço do Segmento Fundamental I, transferindo o Segmento Infantil para a sede da rua Principado de Mônaco no ano de 2017. A APAM (Associação Pedagógica Antroposófica Michaelis), mantenedora da escola, foi fundada no ano de 2000 e o Ciclo do Fundamental I no ano de 2009.

Perguntada sobre a origem do nome da escola, Paula, muito emocionada, remeteu à história de Marco Antonio, a criança que adoeceu, vindo a falecer. Foi sua mãe, Dora, que se recusou a vê-lo ser alfabetizado precocemente, a responsável pelo resgate do grupo que havia se dispersado após o fechamento da escola Arte no Quintal.

Paula doou um desenho do Marco Antônio aos arquivos da escola. “A gente deve muito a esta criança específica. Em 1994, ela (Marco Antonio) ficou doente. Ele ia ao nosso Castelinho, a gente tinha uma imagem de Micael e ele fazia carinho, carinho, naquele arcanjo. Ele começou a apresentar muitos sintomas, dores, medos… Ele estava com câncer na supra-renal. E o Marco Antônio faleceu. Ele ainda foi para o alto da Glória, mas com muitas internações, ele não resistiu. A urgência dele por esse impulso da pedagogia antroposófica na sua biografia moveu a gente. Ele tinha pressa. Não dava para demorar tanto. Que bom que a mãe dele teve sensibilidade. Ele não foi alfabetizado. Ele foi direto para o céu. Porque depois que a gente é alfabetizado tem escalas. O pai dele conseguiu comprar um celular (…) e foi na Festa da Lanterna para gravar a gente cantando para o filho poder ouvir. Eu nunca vou relatar esta história sem fazer homenagem a ele. O Jardim-Escola Michaelis tem um de nós no céu. Espero que seja só ele. Espero que a nossa comunidade não tenha (no céu) outros tão jovens. (…) Este é um desenho dele, eu fiquei tão feliz (com o desenho). Nossa (eu pensei), que bom que ele tem a imagem completa de ser humano nele! Achei lindo este desenho”.

Sobre a escolha pela grafia “Michaelis”, Paula e todos lembram que surgiu de um sonho de Daisy Cabrera. Significa “aqueles que chamam por Micael”.

Sobre o futuro da escola, Paula disse que os membros atuais têm tarefas árduas pela frente. “A gente começou o começo. Mas, quando você vai descascar a tangerina, não têm pedaços da casca que estão mais grudados? Eu diria que a geração atual está diante de um pedaço assim. Então, a missão de vocês é difícil. E vocês vão ter que ser muito guerreiros. Muito. Mas para a gente é muito lindo ver que vocês estão aqui. É muito especial. Porque nasceu para isso. Para ser de todos. E não para ser nosso. O que é importante? É sentir que cada época específica tem uma tarefa específica. (…) Aqui a gente precisa ter muitos guardiões porque parece que o castelinho que a gente constrói, o mar vem de noite e desfaz. Você constrói de novo, ele vem e desmancha. A gente tem que fazer e fazer mil vezes”.

Por fim, esta fala de Paula Levy dimensiona o compromisso da Associação Antroposófica Pedagógica Michaelis: “É importante a gente sempre se lembrar que esta é uma instituição que tem compromisso com a comunidade, com a vida social, em trazer um impulso diferente para a humanidade. Aqui, a gente tem que conseguir se entender. Aqui, a gente tem que conseguir dialogar. Aqui, a gente tem que sair do nosso ponto de vista e olhar por outros ângulos”. 

  1. FUNDAÇÃO DO JARDIM-ESCOLA MICHAELIS – RODA DE CONVERSA COM SUA PRIMEIRA PROFESSORA, PAULA LEVY, COM CONTRIBUIÇÕES DAS MÃES FUNDADORAS. 

Fundação do Jardim-Escola Michaelis – Roda de conversa com sua primeira professora, Paula Levy, com contribuições das mães fundadoras.

Texto: Fernanda Sansão Hallack

(Transcrição na íntegra da palestra ministrada no dia 22/09/18)

O importante não é a perfeição com a qual conseguimos realizar o que deve provir da vontade, e sim que o que tiver de surgir nesta vida, por mais imperfeito que venha a parecer, seja feito uma vez para que haja um começo. Rudolf Steiner

Paula Levy: 

Boa noite. É uma grande alegria poder reviver e compartilhar como foi a fundação do Michaelis. E também é uma alegria ver que ele continua aqui firme, com vida e atendendo a tantas famílias, tantas crianças. Eu começarei este relato expressando a gratidão por aqueles que hoje cuidam do Michaelis. E, durante o relato, eu vou expressar gratidão por aqueles que conseguiram trazê-lo ao mundo. 

Eu remexi o baú das memórias, trouxe algumas coisinhas para mostrar para vocês. Aos que participaram dos momentos, fiquem à vontade para compartilhar. Eu vou “tirar do baú” relembrando os momentos históricos. Não imaginei que ia ser um relato oficial, achei que ia ser uma conversa com a Comissão de Comunicação da escola. Quando eu vi o comunicado à escola, eu pensei: “Então eu vou estudar como foi esse nascimento (risos)”. 

Eu me lembrei de uma pequena história de um homem que sempre pedia parao pai “começar o começo” da tangerina: “Pai, começa o começo!”. Porque aquilo de você “começar o começo” fazendo o primeiro furo, aquilo é muito difícil. E a criança pequena não consegue normalmente. Mas se você faz o primeiro furo, aí parece que tirar o resto das cascas se torna um pouquinho mais fácil. 

Esta imagem é preciosa para vocês. Principalmente para os que não estavam lá (no período da fundação) terem noção de como foi “começar o começo”. E como foi “começar o começo” do nada. Porque hoje a tarefa é árdua e a casca continua dura. E o que a gente sentiu na pele é que no Rio de Janeiro a casca dessa tangerina é muito dura. Mesmo que ela seja muito doce. Mas não é fácil descascá-la, de acordo com os relatos da primeira, da segunda, da terceira, da décima geração… A gente nem sabe em que geração mais (a Escola) está (agora) 25 anos depois. É uma iniciativa já madura. 

Tenho certeza de que tem muitas cascas a serem descascadas. Mas é sempre importante que a gente guarde enquanto instituição, que a gente vele e zele para que essa memória, o “começo do começo”,nunca se perca. Porque nele surge o olho d’água a partir do qual o leito vai se formando aos poucos. A gente não pode nunca deixar que esse olho (d’água) seque. Porque ele vai internamente jorrar vitalidade para a instituição, se esta souber carregar na sua alma essa imagem, esse arquétipo do que ocorreu há 25 anos. Quais foram os intentos, quais foram os impulsos que conduziram à fundação?

Agora eu vou passar para os acontecimentos, daí a gente vai colhendo juntos os significados desses acontecimentos. E vocês perguntem, fiquem à vontade, eu prefiro que seja uma conversa, não uma palestra.

Havia na rua em que a Milka comprou uma casa, na rua Carlos de Laet, na Tijuca, um jardim de infância particular de uma pessoa chamada Elisabeth Soares. Ele se chamava Arte no Quintal e ela fez um trabalho ali bastante intuitivo. Ela era a dona e cuidava dos mínimos detalhes. Ela realmente plasmou um ambiente e um trabalho pedagógico fantásticos. Com muita sensibilidade. Então quem entrava naquela casa, uma bonita casa na Tijuca, daqueles casarões antigos, um pouco até como este, mas com uma mangueira, um quintal de terra… Quem entrava sentia que atravessava um portal que ia ao encontro de uma infância verdadeira para seus filhos. De uma infância com a possibilidade de muito brincar, de muito respeito, de muito cuidado, de muito carinho e de aconchego. Ela vinha desenvolvendo esse trabalho intuitivamente, sendo guiada pelo coração. Até que chegou o momento em que ela sentiu que faltava algo. Ela precisou de um amparo maior, porque ela tinha ido até os limites do que dizia o coração dela de mãe sobre o que seriam as necessidades das crianças. Ela sentia que aquilo ainda podia ser mais investigado. Foi nessa busca que ela encontrou a Antroposofia. Ela começou a estudar com uma antropósofa que já faleceu, a dona Livia Landsberg, e foi se encantando pela Antroposofia e a Pedagogia Waldorf. Foi quando ela falou que gostaria de permear o Arte no Quintal com a Pedagogia Waldorf, mas ela não tinha a menor noção da prática pedagógica. O que ela conhecia era a mera teoria. Então ela começou a procurar, a conversar com um e com outro se tinha algum professor com alguma experiência que quisesse vir para o Rio de Janeiro. 

Estamos falando de 1991, quando ainda nem existia internet. Não era tão fácil procurar um professor, não existia Federação das Escolas Waldorf, só existia um seminário no Brasil. Aliás, acho que já tinha aberto outro (seminário). Mas era tudo mais difícil naquela época e o movimento de Pedagogia Waldorf era pequeno, era restrito. Ela foi tão perseverante que acabou sabendo que havia uma professora Waldorf em São Paulo que tinha a intenção de mudar para o Rio de Janeiro por questões pessoais. Ela (a própria Paula, no caso) tinha um namorado no Rio de Janeiro. Isso teve um papel decisivo(risos dos presentes).

Vocês vão ver que tem muito amor o tempo inteiro na história do Jardim Michaelis do Rio de Janeiro. Ela (a história do Michaelis) tem muitas dificuldades, mas tem também muito amor. Tem um fio de dificuldades árduas que foram sendo vencidas. Um fio de espinhos e outro fio de seda de muito, muito amor que foi impregnando nosso caminho. Então, em 1991, a Elisabeth fez contato comigo, não havia Whatsapp (risos dos presentes), ela teve dificuldade de fazer o contato. Eu senti muito amor, senti muita verdade na busca dela, muitas boas intenções. Eu disse: “Se quiser vamos correr o risco”. Fiz as malas e vim. Vim para o Rio com esta missão de ser professora e trazer a Pedagogia Waldorf.

Fundadora (12:17):

 A Bete foi tão investidora da pedagogia, que ao mesmo tempo em que ela fazia esse trabalho difícil de “captar com o coração”, ela também fez um trabalho conosco, com os pais, para saber se a gente aceitaria mudar a proposta pedagógica. E eu não me lembro de ninguém ter ido contra essa proposta. Ao contrário, a gente rezava para que a Paula aceitasse. A Paula era uma semente. Fez um trabalho muito, muito forte.

 

Paula Levy:

Ela (Elisabeth) era uma educadora nata. Daí eu vim e a gente fez esse trabalho no Quintal, mas as coisas não foram fáceis. Porque, ao mesmo tempo em que havia muita sensibilidade pedagógica, muita abertura por parte das famílias que estavam lá, a Bete começou a enfrentar muitos problemas administrativos, financeiros e na vida pessoal. De alguma forma, ela foi se desvinculando do que estava acontecendo, foram surgindo outros chamados urgentes na vida dela. E o que nós presenciamos, principalmente eu que tinha vindo com muita esperança, foi um ano de muito fenecimento. Um ano em que aquele trabalho, ao invés de florescer, começou a murchar. E isso também é interessante. Algo que já existia foi murchando, foi morrendo para que surgissem frutos com novas sementes. 

Mas não é fácil viver isso. Foi um ano bem doloroso, de muitas instabilidades em todos os níveis. Eu me lembro que eu fiz uma horta com as crianças, não nasceu nada na horta. E era um quintal lindo, tinha bichinho, e a gente via que a cada momento definhava alguma coisa. No segundo semestre, o período da tarde teve que ser fechado, não tinha número suficiente de crianças para bancar os dois períodos. Agrupamos todos no período da manhã. Até que, finalmente, ela (Bete) teve coragem e nos disse: “No fim do ano eu vou fechar”. Os funcionários choravam, eu estava muito tensa: “Nossa, mas como a gente vai fechar?” A Bete estava muito, muito triste, e os pais também. Porque nesse meio tempo a gente havia começado um grupo de estudos. Então eles estavam vendo gradativamente a transformação de um trabalho caminhando para a Pedagogia Waldorf, para essa essênciaantroposófica. A gente estava desde o primeiro semestre estudando, as mães fizeram uma boneca naquele ano. A gente estudava a natureza anímica da criança. Então estava todo mundo muito empolgado. 

Daí as mães se reuniram e começaram a procurar desesperadamente um novo espaço para tentar mudar para uma nova casa. Procuraram, procuraram, procuraram e não encontraram nada. Já pairava no grupo a ideia: “vamos partir para uma associação!”. 

Não conseguimos. Foi um período muito significativo desta instituição. Veio o Natal, o Arte no Quintal fechou, todas as famílias se despediram com muita tristeza. Das lembranças que eu tenho do meu diário da época, mas com certeza vocês do grupo de mães devem recordar mais detalhes, foi de que até fevereiro (do outro ano) algumas mães não tinham matriculado (seus filhos) em outra escola. Na esperança de que ainda surgisse alguma solução divina que fizesse aparecer uma casa. Mas daí elas falaram: “Não! A vida das crianças prossegue”. Então algumas foram para a escola Vivendo e Aprendendo, da linha freinetiana, outras foram para a escola dos irmãos… Todos tinham que tocar a vida.

Fundadora (18:57)

Você não está dizendo que a sua participação neste grupo foi determinante! Você trazia as artes para a gente, a gente fazia bonecos, a gente aprendia a cozinhar, várias coisas que se formaram nessas mães tiveram a sua participação. Eu tenho certeza.

Fundadora (19:33):

Foi fundamental. A gente escutava. Começou uma escola Waldorfao mesmo tempo em que se formavam pais Waldorf. É interessante isso, nunca tinha pensado. Porque a escola não era Waldorf, nem nós. Foi ao mesmo tempo. Quem alinhavou este caminho foi a Bete e depois a Paula. 

Paula Levy:

Quando eu olho hoje, fico abobada. Eu tinha 25 anos, não tinha filhos. Com 25 anos, eu tinha pouca experiência, mas eu tinha vontade e reconhecia na Antroposofia um caminho fantástico de conhecimento. Eu acho que o que foi unindo a gente foi a abertura de cada uma de vocês para conhecer esse caminho, eu fui só um instrumento para que vocês pudessem beber na própria ciência espiritual antroposófica. Principalmente no aspecto pedagógico. Porque o núcleo essencial da Antroposofiavai chegar um pouco depois. Daqui a pouco a gente chega lá.

Eu até anotei que quando forampara outra escolinha algumas mães mencionaram que as crianças adoeceram. Elas ficaram preocupadas. Acho que, claro, a criança capta o que estáno coração dos pais. Ficou assim. 

Na Páscoa, a gente reativou o grupo de estudos, mas só com o objetivo de estudar, de trocar ideias… Já que não dava para ter um jardim Waldorf, que cada casa pudesse ser Waldorf. E que cada família levasse para seu grupo o que fosse possível. Então a gente se encontrava. Eu anotei aqui. Que bonito esse trecho porque ele tem a ver com o fio de amor: “Uma forte amizade surgiu entre as pessoas deste grupo e estas crianças. Algo especial que nunca observei antes. Brotou no seio do grupo uma grande solidariedade.”

Isso começou a ser o bálsamo para o trabalho em si. Surgiu um lastro de confiança que fez com que a gente fosse capaz de fazer algo comum, algo que fosse difícil, algo que não é cotidiano. Hoje, eu brinco, abrir jardim Waldorf no Brasil afora é igual pipoca que arrebenta na panela. O que causa até temor. Mas a gente está falando de 25 anos atrás. A gente está falando de uma cidade que, até hoje, em minha opinião, continua sendo a mais desafiadora para a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf.

Por isso, é lindo ver que esta luz continua acesa aqui dentro. Que vocês estão conseguindo velar por este impulso que foi plantando numa terra muito dura. Foi muito difícil cavar. E a gente vê que o crescimento desta escola é lento, é desafiador, a gente levao dobro do tempo para fazer o que outras escolas fazem. Claro, sempre há luta em toda escola Waldorf.  Mas aqui a luta parece que é em dobro. 

Então este era o grupo: a Dora, mãe do Marco Antonio; a Zuleide, mãe da Beatriz; a Rosana, mãe do Caiã; a Marta, mãe do Pedro; a Claudia, mãe da Diana. E, também, estas mães que não conseguiam ir aos encontros, mas trabalhavam e estavam junto conosco:a Milka, mãe da Luiza; a Cátia, da Julia; a Elaíse, da Taissa; e a Claudia, da Nanda, nesta época ainda estava por perto.

Daí,gente,num belo dia, a Dora, do Marco Antonio, entrou em crise e falou que ia tirar o filho da escola porque estavam começando a alfabetizar o Marco Antonio. Ea gente falou. “Dora, relaxa, calma”. E ela falou: “Eu vou tirar, porque nós vamos encontrar um lugar. Eu não deixo mais meu filho ali”. 

Eu acho que esse ato de coragem da Dora também foi muito decisivo, faz parte da história desta comunidade. Daí ela o tirou (da escola) e começou a procurar lugares que nem louca pela Tijuca. E não é que ela encontrou? Ela encontrou uma casinha na Avenida Maracanã, uma casa bonita também, onde funcionava uma escola de artes que se chamava Oca. Era uma oficina de criações artísticas dirigida por jovens, na qual entrava pouco dinheiro. Tinha o quintal, uma edícula com uma escadinha e um banheirinho no quintal. Eles concordaram em sublocar esse espaço. 

O grupo começou a debater: “Será que vai dar, será que não vai dar…” Daí ela (Dora) levou a gente para conhecer a casa e a gente começou a achar que podia ser interessante. Era uma sala minúscula, metade desta, sala pequeníssima, um quintal pequeníssimo, tinha uma escada, um banheiro que era um “ai meu deus” (risos dos presentes), mas o desejo de pôr essa semente no mundo era tão grande em todas nós que nenhuma teve coragem de dizer que era uma loucura. A gente falou…

Fundadora (27:59): 

Mas tinha quintal!

Paula Levy: 

Tinha um quintalzinho (O carma do Michaelis que tem pouco quintal!), mas, enfim, falamos, vamos tentar! Daí, eu fiz uma proposta pedagógica, eu falei: Ninguém tira o filho da escola, a gente não sabe se vai dar certo. Vamos fazer uma colônia de férias. Estávamosem abril. Combinamos assim: em maio e junho a gente reforma o espaço, a gente permeia. Porque tudo estava caindo aos pedaços. A gente vai deixá-lo habitável. Em julho, as crianças vêm para uma colônia de férias. Se a gente vir que a dinâmica do dia a dia funciona… Tinha uma escada, eram crianças do primeiro setênio. Vamos ver. Dependendo, em agosto a gente passa para a etapa de implantação definitiva. E assim foi. Fizemos assim. Deu tudo certo. Entre maio e junho essas mães trabalharam desesperadamente ali e ficou lindo! Ficou um espaço que a gente não acreditava porque ele era aconchegante. Tudo pequenininho, mas ele tinha vida, tinha etérico ali. 

Tinha um pequeno detalhe que era complicado. Não tínhamos uma entrada independente. Para chegarmos no nosso paraíso particular dos fundos, a gente tinha que passar pela Oca. Como o trabalho de atividade artística deles não tinha decolado, à noite eles davam festas para arrecadar dinheiro para pagar o aluguel. A casa não era deles também. Tinha uma mãe que chegava muito cedo, a Zuleide. Normalmente nós duas entrávamos, abríamos a porta e íamos recolhendo as garrafas de cerveja que estavam jogadas na casa. Porque eram festas bem pesadas. Às vezes, a gente chegava e tinha gente dormindo pelo chão, pelo sofá. E a gente ia, em silêncio, recolhia as garrafas, mas parece que a gente fazia isso com tanto amor, tanto amor, que as crianças conseguiam passar por esse ambiente pesado, por esse astral pesado, com um anjo protegendo cada uma delas. 

A gente encontrou uma passagem secreta. Tinha muito lixo lá. Daí nós fizemos um mutirão para tirar o lixo. Mas eu nunca vou esquecer uma reunião que a gente fez com esses rapazes (da Oca). Eles queriam aumentar o aluguel. Mas elas (as mães) eram briguentas, porque era difícil. As nossas contas eram justinhas. Daí chegou uma hora que um deles concordou que (o aluguel) não devia aumentar. Ele falou que admirava muito otrabalho que a gente estava fazendo. Porque era comovente. Porque a gente estava sempre lutando, sempre depurando aquela astralidade. Incansavelmente, todas as mães sempre estavam lá, limpando aquele quintal, pintando, trazendo uma flor. De noite, a coisa degringolava. E a gente de novo, e de novo. Daí um deles falou que nos admirava muito, pois nós éramos a “flor de lótus no pântano”.

Fundadora (33:42): 

Eu não sabia dessa parte. Inclusive Tijuca quer dizer “Terreno alagado”. A Tijuca quase toda era alagada. Tem esta correlação. 

Paula Levy:

Nós nascemos flor de lótus, entendem? Isso tem um significado espiritual profundo que a instituição nunca pode esquecer. E eu, naquela juventude, vendo aquele grupo de mães pioneiras, fiquei me sentindo muito insuficiente para alimentar aquele grupo. Porque é a tarefa do professor! Então eu comecei a pedir ajuda. E estávamos naquela mesma época (sem internet) em que não era fácil conseguir ajuda. Eu me dirigi aos antropósofos do Rio de Janeiro, que eram poucos, mas obtive muito pouca ajuda. Não foi tão fácil. Uma amiga veio de São Paulo, uma professora Waldorf mais experiente, visitou o espaço, eu contei toda a dificuldade que a gente enfrentava diariamente. Ela olhou para mim e disse: você é louca! Como você está fazendo um jardim Waldorf nessa situação?” Eu olhei para ela e tive a certeza, como um raio no meu espírito, e falei: qual a opção, é não fazer? Se for não fazer, nós vamos continuar fazendo.  Nessas condições, o que nos foi dado foi isso e nós não vamos desistir. Elas não desistiram, não desistiram em momento algum, como eu ia desistir? Então uma ajudava a outra, o espírito de grupo estava ali, isso também não pode ser esquecido. Esta instituição nasceu com um lastro de solidariedade inimaginável. 

Nessa busca de ajuda, eu conhecia a Daisy Cabrera, que era uma estudante ativa da Antroposofia aqui no Rio. Ela era a aluna querida da dona LiviaLandsberg. Eu falei para ela: “Daisy, vem, faz você o grupo de estudos com as mães porque o que eu sei está insuficiente para alimentá-las”. Ela disse que não podia, que era na Tijuca… Até que eu tive um sonho: que eu tinha tido neném e que eu pedia para ela ajudar a dar de mamar para esse bebê. Contei para ela o sonho e na hora ela falou: “Então eu vou! Conte comigo porque agora o mundo espiritual está me chamando”. Ela foi muito acolhida e foi um grande pilar para a gente. 

O Jardim Michaelis nunca teve muita ajuda. Espero que hoje isso tenha mudado. A gente remava sozinho. A gente não tinha o amparo dos que podiam contribuir com guarda espiritual, contribuir com dinheiro, com simpatia, contribuir com um abraço. E a gente foi lutando ali como podia. E a Daisy abraçou. Ela nos abraçou plenamente e se vinculou de tal forma que ela passou a carregaros destinos deste Jardim, a se responsabilizar e a apoiar. Isso era 1993. 

O Jardim nasceu na colônia de férias de julho de 1993 e em dezembro eu fiquei grávida. E aí nos perguntamos: “Como vamos fazer?”Importante falar disso. Este é um dado que eu gosto: Quando a gente estava procurando imóvel, eu estava para casar e procurando casa para morar. A Zuleide falou: “Paula, porque você não faz na sua casa? Faz o seu Jardim e a gente se matricula lá”. Eu disse: “Não, Zuleide, não vou fazer. Porque o meu desejo e o do grupo é que o Jardim não tenha dono. Esse é o caminho mais fácil, mas a gente vai fazer o mais difícil. O importante é que a gente funde um Jardim que não seja nosso. Que ele possa viver nessa cidade como um templo da educação para todas as famílias que nos anos futuros também desejarem esse impulso para os filhos deles”. 

E assim fizemos. Eu fiquei grávida, conseguimos que a Dinah Melo assumisse o trabalho e eu me afastei. Era uma turma única. Eu não estou falando os nomes das crianças… Tem tanta coisa bonita! Enfim, senão a gente não encerra este relato…

A gente fundou porque lá no mundo espiritual eles disseram que queriam esse impulso. Nós apenas obedecemos e realizamos. Eles foram os grandes pioneiros. Eu fiquei um ano com a turma. A Dinah assumiu. Não dava mais para ficar na Tijuca. A Daisy articulou e saímos desse ambiente degradado, em termos de astralidade, e fomos para o alto da Glória, na Comunidade de Cristãos do Rio de Janeiro. Parece que o mundo espiritual ouviu de alguma forma aquela oração diária de não desistir, de trabalhar, de fazer o que era possível fazer. 

É isso que eu acho que também pode ser o legado para a comunidade atual que carrega esta escola. Não desistir. Não desistir nunca. Faça o que pode ser feito, mas faça com amor e idealismo. Vocês podem se orgulhar de que esta instituição nasceu com idealismo mais puro, mais genuíno, foi um diamante. Nem todas as instituições nascem assim. Às vezes o idealismo tem que vir depois para consertar muita coisa. Nesta (instituição) não. A gente tem isso.

Fundadora (44:25): 

Apesar da astralidade, as crianças deram nome para a escola: Castelinho. Porque elas enxergavam de outra forma. Era o conto de fadas delas.

Paula Levy: 

A gente fazia envoltório. Era lindo. Mas eu acho que não foi só a gente, foram os anjos. A gente não teve ajuda aqui, prática, mas a gente teve ajuda de seres espirituais que ficaram com pena. Eles falaram “Gente, não é possível, eles não vão desistir! Alguma coisa a gente vai fazer por eles” (risos dos presentes).

Professora Thassia Porto: 

A escolha do nome foi nessa época?

Paula Levy: 

Não tinha nome. O Jardim ficou dois anos sem nome. Era Castelinho para as crianças. Nós estávamos preocupados em fazer o trabalho que tinha que ser feito.

Vejam isso aqui: São curiosidades, mas eu achei que podia ser gostoso. Não existia impressora também na época (risos dos presentes). Muita coisa era diferente. Este foi o calendário de atividades que eu entreguei na matrícula, em maio de 1993, junto com um trecho da Pedra Fundamental por escrito. E uma homenagem ao (Jardim) Arte no Quintal. Eu escrevi aquele trecho do Steiner: De fato, nada surge do nada, mas uma coisa pode transformar-se a ponto de morrer para que outra surja.

Porque a gente tem que ser capaz de honrar as nossas raízes. Isso foi uma frase que eu aprendi com a Daisy. Se a gente não for capaz de honrar nossa história, nosso passado, a gente não vai ser merecedor do futuro. 

No dia que a gente estava inaugurando,nos nossos corações, a Bete estava com a gente. E a gente sabe bem que nesse “entregar o cajado”, o cálice, de uma geração para outra, às vezes surgem atritos de todos os lados. A gente sabe que às vezes quem está com o cajado se apega tanto a ele que não quer entregá-lo totalmente. Não é? Mas é importante a gente sempre lembrar que esta é uma instituição que tem esse compromisso com a comunidade, com a vida social, em trazer um impulso diferente para a humanidade. Aqui, a gente tem que conseguir se entender. Aqui, a gente tem que conseguir dialogar. Aqui, a gente tem que sair do nosso ponto de vista e olhar outros ângulos. 

Já mesmo no Arte no Quintal foram chegando vários outros que foram arregaçando as mangas, impulsionando, que foram se harmonizando com essa comunidade que crescia. Em 1998, a Denise Domingues chegou e assumiu o trabalho porque a Dinah optou pela carreira artística. Foi uma excelente professora. Por um tempo, ficamos sem professor. Até que encontramos a Denise, uma carioca que estava voltando de Mirantão (RJ), onde trabalhou numa comunidade. Também uma excelente professora, com tarimba no trabalho social porque veio da escolinha e da rede pública de Mirantão. E, de novo, houve um ato de coragem. O Jardim Michaelis estava lá no alto da Glória, mas não tinha mais alunos. Ela falou: “Eu venho com meu filho e vou começar a limpar, a podar as plantas e quem quiser que venha também!”. Ela vivificou o Michaelis. Eu estava em casa tendo filhos. Porque eu tive três neste período. 

Vocês lembram que eu falei daquela mãe que tirou o filho (da escola tradicional) porque ela não queria que ele fosse alfabetizado? Ela falou: “Eu vou procurar!”. É esta criança que estou passando a foto. A gente deve muito a esta criança específica. Em 1994, ela (Marco Antonio) ficou doente. Ele ia ao nosso Castelinho, a gente tinha uma imagem de Micael e ele fazia carinho, carinho, naquele arcanjo. Ele começou a apresentar muitos sintomas, dores, medos… Ele estava com câncer da supra-renal. E o Marco Antônio faleceu. Ele ainda foi para o alto da Glória, mas com muitas internações, ele não resistiu. A urgência dele por esse impulso da pedagogiaantroposófica na sua biografia moveu a gente. Ele tinha pressa. Não dava para demorar tanto. Que bom que a mãe dele teve sensibilidade. Ele não foi alfabetizado. Ele foi direto para o céu. Porque depois que a gente é alfabetizado tem escalas. O pai dele conseguiu comprar um celular. Estava começando a ter celular. Nessa época, celular era só para gente rica. Ele comprou (um celular) e foi na Festa da Lanterna para gravar a gente cantando para o filho poder ouvir. Eu nunca vou relatar esta história sem fazer homenagem a ele. O Jardim-Escola Michaelis tem um de nós no céu. Espero que seja só ele. Espero que a nossa comunidade não tenha (no céu) outros tão jovens.

Fundadora (55:06): 

Ele promoveu uma união maior no nosso grupo. A gente lutou muito, ele chegou a ir para um tratamento no exterior, a gente conseguiu que ele fosse recebido pelo Jô Soares para divulgação, para o transplante de medula. Ele foi para o exterior. Cem mil reais na época a gente conseguiu. Aquilo nos uniu, fortaleceu a nossa união, extrapolou tudo: pedagógico, escola e tudo o mais…

Paula Levy: 

Campanhas… Muito doloroso isso.

Fundadora (55:55): 

E as crianças terem que lidar com a perda do coleguinha. No enterro do Marco Antonio, ela pediu para a gente cantar as músicas da lanterna. A gente cantou. Foi lindo. 

Paula Levy: 

É importante como comunidade não esquecermos que tem um de nós lá. Este é um desenho dele, eu fiquei tão feliz. Nossa (eu pensei), que bom que ele tem a imagem completa de ser humano nele! Achei lindo este desenho. Guardei, guardo até hoje. Tenho de todos (os alunos), mas só trouxe este.

Sobre o nome (Michaelis), eu vou deixar este desenho aqui com vocês. Dizem que a gente vai ficando velha e tem que começar a desapegar. É um treino para a morte. A gente tem que começar a se desfazer. Às vezes, o que é mais caro não é o patrimônio material, mas o que está em nossos baús. Esses que nos são tão caros. Vou deixar porque talvez tenham uma biblioteca e, com 25 anos de história, precisam começar a documentá-la. Juntar os arquivos históricos. Daqui a pouco teremos 50 anos.

Professora Alessandra Miguez:

Justamente sobre a memória, nós (professoras) do Fundamental fizemos um trabalho de resgate. Abrimos nossas reuniões com o livro do aniversário de 2005. Tem relatos e desejos de algumas mães que estão aqui e o seu também. Abrimos as reuniões de terça-feira (do Fundamental) com a leitura do desejo da Daisy, porque ela abriu esse livro, já lemos o seu também. Está lá em cima guardadinho. Tem desejos muitos potentes, muito amorosos.

Gratidão enorme a quem veio antes de nós. Estamos aqui, não somos perfeitos. Coragem:é a palavra que nós usamos para continuar carregando essa chama. E o desejo de que os que venham depois de nós, quando já não estivermos aqui, também possam carregar essa chama.

Paula Levy: 

Vocês têm tarefas árduas pela frente. A gente “começou o começo”. Mas quando você vai descascar a tangerina não têm pedaços da casca que estão mais grudados? Eu diria que a geração atual está diante de um pedaço assim. Então, a missão de vocês é difícil. E vocês vão ter que ser muito guerreiros. Muito. Mas para a gente é muito lindo ver que vocês estão aqui. É muito especial. Porque nasceu para isso. Para ser de todos. E não para ser nosso. 

Aqui, gente, a fundação: no dia 30 de setembro de 1995 houve o batismo de nossa iniciativa. Foi uma carta que fizemos para comunicar ao mundo que nós tínhamos agora um nome. Notem como tudo é lento nessa iniciativa. Até para ter um nome. Foi o único nome que surgiu. Foi a Daisy, não foi, que saiu com essa (do nome). Ela sonhou?

Fundadora (1’01): 

Ela apresentou o sonho. Era um sonho com Micael, estava na época de Micael, e ela falou, quem sabe o nome é esse? Aí todo mundo abarcou.

 

Professora Thassia: 

Ela falou para a gente também que veio de um sonho, mas de uma mãe.

Fundadora (1:02): 

Tem tudo a ver. Micael tem tudo a ver com tudo aquilo que a gente vivenciava e com tudo aquilo que a gente queria de proteção.

Paula Levy:

Teve uma coisa muito engraçada, que não sei se vocês lembram. Ela consultou uma amiga que estudava Letras para saber o que o sufixo (da palavra “Michaelis”) significava. Ela (Daisy) falou: Ela (a amiga) me disse que Michaelis significa “aqueles que pertencem a Micael”. No outro dia, ela (Daisy) falou:“Olha, ela se enganou: “São aqueles que chamam Micael”. 

Então dificultou mais porque a gente já queria estar incluídocomo “aqueles que pertencem” (risos dos presentes). Mas não descobrimos qual seria esse sufixo (de estar incluído). Então ficou este (nome) mesmo.

Foi a Sabine que fez o logotipo, que usamos até hoje. 

Fundadora: (1’03) 

Inclusive tem até uma placa de madeira guardada aqui.

Paula Levy: 

Mas olha a carta. É muito engraçada. Tem a letra da Daisy. 

“Queridos amigos. No dia 30 de setembro, houve o batismo de nossa iniciativa que há dois anos e meio caminhava sem nome”. 

Paula Levy: 

Dois anos e meio! Em 2000, a gente fundou a APAM. 

Participante (1:04): 

Aí eu cheguei.

Paula Levy:

Eu já tinha voltado, eu reassumi a sala de jardim. E mais uma mãe, a Cristina, a Cátia, a Márcia, várias mães que se tornaram professoras. Uma inclusive se mudou para São Paulo e fundou um Jardim lá, a Fernanda. A Teresa também. Tiveram os pioneiros da primeira geração. A Denise é da segunda geração. Teve a terceira geração que saiu da Glória e foi para a rua João Afonso. O que é importante? É sentir que cada época específica tem uma tarefa específica. A nossa, que estava lá na Tijuca, foi fundar, foi ter a coragem de “começar o começo”. Depois tiveram outros desafios. Foi de novo uma fundação iniciar o ensino fundamental. Olha quando nós conseguimos! Eu já não estava mais. Eu me desliguei e fui para São Paulo. Fui porque eu lutei, lutei, lutei no ano de 2004 para que abríssemos o fundamental, e não abrimos, não houve força para isso. Então eu falei: “Agora vou oferecer uma escola Waldorf para meus filhos e fui para São Paulo”. E só foi aberto em 2009! A gente vê jardim Waldorf começando e em três anos já vão para o fundamental. Então, aqui a gente precisa ter muitos guardiões porque parece que o castelinho a gente constrói, o mar vem de noite e desfaz. Você constrói de novo, ele vem e desmancha. A gente tem que fazer e fazer mil vezes. Mas em 2009 (o fundamental) foi iniciado.

Fundadora (1:8:53): 

A APAM também, está ali escrito: discussão do Estatuto e discussão dos parâmetros em meados de 1993. Ela só concretizou em 2000!

Paula Levy: 

Em 2000, gente! Eu fui a primeira presidente. A Daisy como vice-presidente. Depois ela foi várias vezes presidente. Anotei aqui, em 1993, (discussão sobre) trimembração do organismo social, tenho isso aqui anotado no meu calendário.

  1. OS BENEFÍCIOS DOS CONTOS DE FADAS AOS OUVIDOS E ALMA DOS PEQUENOS. Roda de conversa com o médico Darlan Schottz.

Resumo livre de Fernanda Sansão Hallack | Psicóloga, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis.

O Dr. Darlan Schottz, médico clínico e escolar especializado em medicina antroposófica e pedagogia Waldorf, tratou, em palestra no dia 28/11/2019, na Escola Waldorf Michaelis, dos chamados “contos de fadas” como gênero literário, expressão artística e instrumento pedagógico que assaz alimenta a faixa etária que vai dos cinco aos oito anos, aproximadamente. São histórias ancestrais que fazem parte de toda e qualquer tradição oral, seja ela indígena, africana ou europeia, por exemplo, prenhes de arquétipos estruturais que suprem a gana de imaginação das crianças, estimulam sua formação de imagens e seu pensar imaginativo. Eles não visam suscitar a moral da história e o raciocínio lógico, mas a dramatização de situações comuns de homens simples na natureza, que vivem a expectativa, a indefinição, o sofrimento e a superação. Quanto mais é contado, mais o conto desperta a possibilidade de ressignificação e a potência imaginativa da criança, engendrando sua liberdade interna, sua autonomia e sua capacidade de manter a esperança.

O ensino na pedagogia Waldorf baseia-se, justamente, na premissa de que a educação baseada na audição treina a capacidade de concentração ao ancorar o eixo narrativo no centro da criança. Especialmente no 2º setênio, tudo é contado e não explicado. Da mesma forma que o leite materno é vital para a estrutura física, a narrativa oral é vital para a consciência imaginativa e o centramento.

Sobre as críticas recorrentes acerca dos conteúdos dos contos de fadas, por vezes deveras inverossímeis, inclementes ou atravessados por ideologias, Darlan analisa que a criança os decompõe e absorve seus elementos identificatórios universais e arquetípicos com sua simplicidade – e não com a complexidade e o julgamento do mundo adulto.

“Muito se discute sobre o valor dos contos de fadas. Afirma-se que estes alienam a criança da “realidade” e, devido a certos trechos cruéis, frequentemente constituem um alimento de valor duvidoso. Aqui também devemos entender-nos melhor! Em primeiro lugar, os bons contos são aqueles que têm sua origem na vetusta sabedoria popular, como os recolhidos pelos irmãos Grimm. Contos “compostos” intelectualmente não têm o mesmo valor. Por quê? Os verdadeiros contos de fadas contêm em suas imagens fatos e processos autênticos da evolução espiritual do homem. A criança extrai dos contos profundas verdades, embora numa forma primitiva mas, justamente por isso, adequada aos primeiros anos de vida. Um conto nunca deve ser lido, mas narrado, e além disso repetido em dias seguidos. A pessoa que conta deve saber que as imagens transmitidas correspondem a uma profunda sabedoria popular; outrossim, deve falar como se acreditasse inteiramente em tudo o que está narrando. Os trechos mais cruéis não devem ser postos em relevo nem contados com abundância de detalhes sangrentos e requintes de sadismo; assim eles desempenharão a função de constituir o momento de maior tensão a partir do qual tudo corre para o desenlace feliz, a recompensa do justo, a punição do mau – cenas que nunca faltam. Os contos, com efeito, têm seu ritmo e sua dinâmica intrínsecos, que lhes confere alto valor educativo.”

Rudolf Lanz. “Noções Básicas de Antroposofia”. Editora Antroposófica.

“O julgamento moral não deve ser inoculado na criança. Deve-se prepará-lo de tal modo que, quando a criança, com a maturidade sexual, desperta para a força completa do julgamento, consegue, pela observação da vida, formar por si própria o julgamento moral. A pior forma de atingi-lo é transmitir à criança uma ordem pronta. Atinge-se, no entanto, quando se atua por meio de um exemplo ou colocam-se exemplos diante dela. Deve-se dar à criança imagens para o bem por meio de narrativas de pessoas que foram ou são boas, ou por elaboração de pessoas boas adequada à fantasia. […] Não se apela ao intelecto, mas à simpatia para com o bem e à antipatia para com o mal que, sob forma de imagem surgem diante da alma da criança. Assim a alma é preparada de tal maneira que, posteriormente, o julgamento pelo sentimento possa amadurecer na idade correta como julgamento intelectual. Não se trata de transmitir o “você deve”, porém de despertar um julgamento estético na criança, de modo que o bem lhe agrade, tenha simpatia para com ele, e tenha desagrado, antipatia, para com o mal, quando seu sentir é defrontado com fatos morais”.

Rudolf Steiner. Fonte: GA 305, Trad. VWS; rev. SALS. (http://www.sab.org.br/steiner/afor-todos.htm)

  1. AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO SOB A PERSPECTIVA ANTROPOSÓFICA 

Texto: Fernanda Sansão Hallack

O que é esta preciosa coisa que está contida nos alimentos e nos preserva da morte?

Erwin Schroedinger (1887-1961 – Prêmio Nobel de Física (1933)

Para a nutrição antroposófica você não é o que você come. Convertemos a vitalidade do alimento em nossa vitalidade, mas para isso mobilizamos forças consideráveis para quebrar e transformar os alimentos em algo próprio de modo a não rejeitarmos o que é ingerido.

Por isso, a alimentação saudável, sob a perspectiva antroposófica, vai além do parâmetro quantitativo de baixa densidade calórica e alto valor nutricional norteando-se na escolha dos alimentos que possuem maior potencial de gerar vida: naturais, frescos, integrais, livres de quaisquer contaminantes e processamentos. 

A dieta ideal seria a lactovegetariana (ovos, frutas, vegetais e cereais) integral, orgânica e de origem biodinâmica, ou seja, proveniente de um solo balanceado. Este preserva integralmente os teores nutricionais equilibrados, os fitoquímicos e os minerais dos alimentos, estimulando o organismo em diferentes níveis e se traduzindo em bem-estar, disposição e vitalidade. Por outro lado, devem ser também contempladas as escolhas, necessidades e possibilidades individuais, para além das necessidades nutricionais. A carne entra neste quesito, sendo uma opção se não consumida em excesso. É uma dieta abrangente, simples e pouco restritiva, afinal, desde que sejam observados de onde vêm os alimentos e evitados os alimentos industrializados e refinados.

Esta vitalidade dos alimentos vai encontrar similitudes e atuar em seus correspondentes no ser humano, que tem um corpo físico mineral, vitalizado como os vegetais – nos quais atuam forças regenerativas que os fazem crescer contra a ação da gravidade e em direção ao Sol – e animado como os animais, que são portadores de instintos, impulsos, sensações e sentimentos. Por isso, é considerado que os alimentos de origem vegetal ou animal nos estimulam de formas diferentes: o primeiro estimula a nossa vitalidade e, o segundo, os nossos instintos. As proteínas vegetais e animais (transformadas em estrutura corporal) e os carboidratos (transformados em glicose) das folhas, frutos e raízes são também diferentes entre si e nas reações que provocam em nosso corpo.

Nosso sistema neurossensorial, situado na cabeça, onde está a maior parte dos nossos órgãos dos sentidos (que absorvem a luz, os sons, alimentos…), relaciona-se, de forma invertida, com as raízes da planta, que absorvem a água e os nutrientes. As raízes atuam, portanto, no nosso sistema nervoso, como a cenoura, a beterraba, o rabanete, o ginseng e o gengibre. Já nosso sistema metabólico-locomotor refere-se aos membros, aos órgãos digestivos e reprodutores, nos quais predominam o metabolismo, o calor e o movimento. Está relacionado às flores e aos frutos (como a abóbora, a abobrinha, o pepino, o chuchu e o brócolis), pois é no polo floral que se encontram o órgão reprodutor e o metabolismo dos açúcares e proteínas das plantas. Por fim, nosso sistema rítmico corresponde ao centro de nosso corpo, onde estão o pulmão e o coração, centro do sistema circulatório. Neste, ocorrem os movimentos de inspiração/expiração, sístole/diástole, expansão/contração assim como há o movimento da seiva no caule e as trocas gasosas nas folhas. Couve, rúcula, agrião, acelga e espinafre, por exemplo, atuam nesta região. 

Uma alimentação equilibrada entre estes três elementos (raiz, caules/folhas e frutos) vai também equilibrar ritmicamente os três elementos corpóreos humanos (sistema nervoso/sistema rítmico/metabolismo).  

Todos os processos vivos respeitam e se equilibram através dos ritmos próprios (por exemplo, a respiração, a circulação e a digestão nos seres humanos) e dos ritmos cósmicos (ciclo circadiano, solar, lunar, planetários, estelares e das estações) que influenciam as marés, o ciclo menstrual e o tempo de gestação das mulheres, a sazonalidade e a fertilidade das plantações, por exemplo. Por isso, a Antroposofia desenvolveu, através de seu criador, o filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), uma agricultura própria, a Agricultura Biodinâmica, buscando preservar ao máximo, através do respeito aos ritmos da natureza e da nutrição equilibrada do solo, a força vital dos alimentos. 

Como o ser humano não absorve energia diretamente do Sol, sua vitalidade é obtida da absorção da energia solar e das outras forças cósmicas sutis que estimulam os solos, as plantas e os alimentos. A energia vital subsiste na planta mesmo que ela seja separada de sua raiz, de seu substrato vital. Esta é uma das razões pelas quais os carnívoros alimentam-se majoritariamente de animais herbívoros. Numa escala gradativa, os alimentos crus, frescos, mais próximos de sua condição natural, capazes de brotar ou gerar vida (como os grãos integrais e os ovos) retém mais força vital do que os submetidos ao congelamento e à combustão (sem mencionar aqui os submetidos a processamentos industriais). 

O solo biodinâmico é considerado um organismo vivo, onde todos os reinos da natureza interagem sob uma ótica ambiental de preservação dos movimentos naturais das espécies e de minimização do gasto energético e de desgaste do solo. Os compostos biodinâmicos são preparados com esterco, lixo orgânico, plantas medicinais e com substâncias minerais (com destaque para a sílica, que ajuda a reter os nutrientes), vegetais e animais em alta diluição para equilibrar a terra e tratá-la após ser desgastada a cada colheita. 

A nutrição, a medicina e a salutogênese:

O ser humano tem um quarto elemento constitutivo que o diferencia do determinismo biológico dos outros reinos: a consciência, a individualidade, o discernimento e o livre arbítrio. Estes o dotam de faculdades sensoriais, emocionais e intelectuais próprias de sua espécie. Este é o “Eu” através do qual cada um se nomeia, intransferivelmente.

Essa é a base da Salutogênese, uma abordagem integral antroposófica de compreensão e promoção da saúde, de como as pessoas se tornam e permanecem saudáveis em nível orgânico, psíquico e social, que contrasta com o modelo da patogênese na qual a questão central é a doença. Estudos mostram que animais alimentados sob a perspectiva antroposófica biodinâmica adoecem com menos frequência, recuperam-se mais rápido, têm melhores taxa de fertilidade e sobrevida ao nascer. 

O médico antroposófico pode aconselhar seu paciente sobre o intervalo entre as ingestões e os tipos de alimentos mais adequados aos ritmos metabólicos. Este profissional norteia-se pelos quatro temperamentos abordados pela Antroposofia (colérico, melancólico, fleumático e sanguíneo) para sugerir os alimentos mais propícios para equilibrar as fragilidades de determinados órgãos e as suscetibilidades a doenças. Os sabores também devem ser considerados dependendo do temperamento dominante, constituindo uma dimensão de análise bastante própria. 

  1. VIVÊNCIA DE PÁSCOA – RAMO RUDOLF STEINER

Resumo livre por Fernanda Sansão Hallack, mãe de dois filhos na Escola Waldorf Michaelis

No livro “Minha Vida”, Rudolf Steiner faz descrições profundas de seus estados de alma. Aos 30 anos, ele estava em Weimer escrevendo o livro “A Filosofia da Liberdade”, editando as obras científicas de Johann Wolfgang von Goethe e trabalhando na aprofundação filosófica da gênese do processo do pensar. Friedrich Nietzsche e Ernest Haeckel eram suas referências teóricas sobre o assunto, contudo não chegavam às mesmas conclusões que lhe eram percebidas como verdadeiras – já que sua percepção do mundo externo era menos concreta do que a vívida dimensão de sua percepção interna e anímica advinda do mundo espiritual.

Assim, o conhecimento científico de Steiner passou a ser diretamente forjado a partir de sua clara percepção do mundo espiritual. Antes, porém, por volta de seus 35 anos, ele vivenciou com intensidade a dúvida se deveria calar ou expor sua cosmovisão suprassensível. Foi nesse contexto que ele se deparou com o mistério do Gólgota (nome da colina onde Jesus foi crucificado), que forneceu-lhe a metáfora capaz de traduzir o espiritual na matéria que se lhe apresentava. Segundo Rudolf Steiner, O Cristo viveu a iniciação no nível mais elevado como ser terreno nas profundezas do rio Jordão.

Até a vinda do Cristo, todos os seres espirituais instruíam a humanidade em seu processo de desenvolvimento, mas não vivenciavam a experiência de nascer e morrer como os seres terrenos. A encarnação do Cristo foi um momento único do cosmos no qual os deuses e a humanidade tiveram a intenção de que um ser espiritual vivenciasse o processo nascimento/morte.

Em quatro palestras que Rudolf Steiner proferiu em 1924, bem no final de sua vida, ele faz correlação do mistério da Páscoa com o culto de Adônis. Um dos antigos mistérios sobre o procedimento de iniciação nos fornece a imagem dos acontecimentos espirituais no mundo. O culto a Adônis pode abrir a nossa consciência para os mistérios da morte e da Páscoa.

Nos tempos antigos, a humanidade comemorava a festa da primavera como uma ressurreição da natureza após o inverno. Essa festa, relacionada ao equinócio de primavera (no hemisfério norte), caia na época da Páscoa. Dessa maneira, torna-se previsível relacionar a ressurreição do Cristo na Páscoa com os mistérios de primavera. Todavia, de fato, para Steiner, a festa Cristã de Páscoa tem muito mais a ver com os mistérios do outono. O autor nos fornece uma definição da Páscoa do ponto de vista de novos mistérios. A Páscoa é a festa da ressurreição e no centro do evento está Cristo Jesus que passa pela morte. A sexta-feira Santa vem lembrar esse fato. Depois o Cristo fica três dias no túmulo, que são celebrados como dias de luto. No terceiro dia, Cristo sai do túmulo. Então há a morte, o repouso no túmulo e a ressurreição do Cristo.

O culto a Adônis, celebrado nos tempos antigos, tem a mesma estrutura da Páscoa. Nele, a imagem do deus da beleza e da força juvenil é o ponto central do mistério. Adônis não só revelava a perfeição em sua aparência como também representava valores de dignidade e grandeza interior do ser humano. Esta imagem de máxima perfeição do humano na Terra foi carregada durante um culto de luta profunda até o mar (ou um lago ou rio) perto da comunidade, ficando afundada na água durante três dias (durante os quais comunidade ficou envolvida por uma calma e seriedade profundas). Após, a imagem foi retirada das profundezas da água e a comunidade entrou em festa com hinos, cantos e danças, louvando a ressurreição do deus. Nos tempos antigos, este culto despertava as almas dos povos que vivenciavam algo sobre a morte na calma profunda e depois se alegravam com a ressurreição.

Durante esses cultos também aconteciam mistérios de iniciação mais profundos guiados pelos iniciados. Os escolhidos eram levados para um espaço escuro onde havia uma espécie de caixão. Neste, eles se deitavam e vivenciavam a passagem pelo portal da morte durante três dias. Eles então despertavam no terceiro dia, avistando um broto de ramo de planta à sua frente. Isso simbolizava a vida nova brotando dentro deles. Os iniciados então se levantavam do “caixão” com uma nova consciência. Se dizia que “eles foram conhecer a linguagem dos espíritos e uma nova escrita” que significava a possibilidade de enxergar o mundo a partir do espiritual.

Esses cultos aconteciam no outono quando o ser humano vivenciava a morte da natureza e o fenecer das plantas à sua volta. Eles queriam dizer: “Cada homem vai morrer um dia quando o outono chegar para ele. O importante é o luto, entrar em luto profundo quando alguém morrer. Assim, quando sua própria morte se aproximar de verdade, será possível se lembrar do outono, dos mistérios de iniciação e do culto ao deus da beleza, da juventude e da grandeza. Será possível vivenciar as coisas que desaparecem, como desaparecem no outono quando se passa pelo portal da morte durante a vida na Terra. A vida na Terra é passageira; quando um ser humano é retirado dela, ele vive dentro das amplidões do etérico do mundo. Ele percebe como cresce e se transforma de forma que o mundo todo se torna propriedade dele. Em três dias, ele vai viver no grande cosmo. Olhando para a imagem da morte e para o que foi passageiro, desperta-se do outro lado no espírito após três dias, a alma entra na eternidade. O ser humano desperta para nascer do outro lado no mundo dos espíritos”.

Nos mistérios profundos de iniciação, considerava-se que o iniciado havia passado por uma transformação interior, suas forças anímicas haviam sido despertadas para vivenciar o mundo espiritual. Ele tornava-se um “vidente iniciado” que conhecia as profundezas da morte. Esta iniciação despertava a consciência superior dentro da alma. A alma “ressuscitava” numa consciência superior. O corpo físico travava uma iniciação exclusivamente anímica.

Quando Cristo morreu na cruz, os iniciados antigos disseram que Jesus Cristo era um ser solar que “desceu” no momento de seu batismo no rio Jordão e se apropriou do corpo do Cristo. Só um ser solar seria capaz de vivenciar a iniciação passando pelo portal da morte no corpo físico e ressuscitando na Terra. Dizia-se que esta era a iniciação no nível mais elevado.

Os sete dias da Semana Santa (ou semana do mistério, segundo a ciência antroposófica) formam uma unidade de tempo, um todo composto por forças e qualidades planetárias arquetípicas diferentes a cada dia. As imagens dos acontecimentos da vida do Cristo e as quantidades planetárias nos dão elementos para o caminho meditativo desta semana.

No domingo de Ramos, Cristo sai da Galiléia, vai para Jerusalém e é aclamado. É o dia regido pelo Sol, que alude à busca do centramento e à humanização. É o estado em que “somos nós mesmos”, independente das demandas do mundo externo. Aproveitando a força que emana do Sol, gerar a busca pelo estado de alma em que nos reconhecemos e nos diferenciamos do outro.

Segunda-feira, dia da condenação da figueira, quando os discípulos não entendem as palavras de Cristo – que decide por limpar o templo da cidade. O antigo Sol e a antiga Lua vão ficando para trás e ele se depara com as tentações, com a noção do que estava por vir. É o dia regido pela Lua como renovação, ação acordada, desperta, refletida; busca pelas razões que fazem a gente agir.

Terça-feira: Jesus se defronta com sacerdotes e escribas dispostos a provocá-lo para ele perder a razão. Seria preciso lutar através do verbo espiritual (dia do Sermão da Montanha). Remete ao fim da época de sua ligação com a família de sangue, à compreensão de que podia seguir o caminho de uma família espiritual. Dia de Marte. Forças de luta, autenticidade e coragem. Nossas palavras são sinceras e autênticas com nosso interior ou são justificativas e questionamentos vazios? A palavra como espada na luta por autenticidade, o silêncio interior para escuta do “eu”. Busca da palavra com sentido verdadeiro: “a palavra que escuta”.

Quarta-feira, começa verdadeiramente a semana de silêncio. Maria Madalena faz a unção de Cristo, gerando contrariedade em Judas. Prenúncio de sua traição. Dia de Mercúrio: superação do julgamento, abertura de espaço interior antes de julgar. Olhar a partir do ponto de vista e aprendizado do outro. Contemplação e escuta antes de julgar. Forças de fluidez, devoção, cura.

Quinta-feira: Santa Ceia e Lava-pés dos 12 discípulos. Judas se retira para o momento da delação. Regida por Júpiter: grandeza e sabedoria. Buscar sinceridade interior, conexão com o que temos de humano e divino, percepção sincera de como se é – e não como gostaria de ser.

Sexta-feira Santa: Drama da prisão, julgamento e condenação; Via Crúcis, crucificação e morte. Sangue do Cristo entra na Terra. Mistério da ressurreição e da vida eterna. Vênus, paixão e amor universal. Conexão com o sentimento profundo de humildade e aceitação. Receber e aceitar que não se tem o controle de tudo. O que realmente tem valor essencial? A que renuncio? Atentar ao poder da renúncia.

Sábado de Aleluia: Sepultamento de Cristo. José de Arimateia o coloca no sepulcro. Enterra-se o corpo à espera de um milagre. Imagem do Cristo descendo para o reino dos mortos. Saturno: consciência, tempo, profundidade, confiança criadora. Confiança que nos compõe e nos dá uma direção universal plena de sabedoria.

Domingo de Páscoa: Cristo ressurreto aparece para Maria Magdalena. Sepulto aberto sem corpo físico presente. Processo de interiorização do Cristo no corpo de cada ser humano. Ressurreição, abertura ao milagre e à vida, o novo nascendo dentro da gente. Começa o ano.

  1. PRONTIDÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO 

Texto: Fernanda Sansão Hallack

(Transcrição livre da palestra ministrada por Darlan Schottz Ferreira no dia 25/10/2018)

A prontidão para a alfabetização é a capacidade de adquirir duas habilidades de instâncias diferentes: a do pensamento (ler) e a do movimento (escrever). São, portanto, duas atividades que são coordenadas na leitura-escrita que pressupõem, por sua feita, a capacidade imagética (já que a escrita não contém a imagem) e de ação motora fina. 

Estas possibilidades precisam ser desenvolvidas e maturadas porque a criança pequena é essencialmente sensorial. Somente quando ela adquire a capacidade de sair da imanência do tempo presente e entender que as coisas acontecem – e passam, podendo ser memorizadas – ela começa a comportar um mundo de representação “que se passa somente dentro dela”. Já a motricidade fina ocorre depois do desenvolvimento da motricidade ampla. 

Nos primeiros sete anos de vida, o ser humano adquire os movimentos amplos da espécie animal. Os movimentos involuntários do bebê vão sendo assumidos e misturados aos movimentos voluntários. Engatinhar e andar são movimentos também involuntários e reflexos (embora sejam impelidos pela vontade). 

As perguntas que se deve fazer num teste de prontidão são estas:

  • A criança consegue parar (para comer, para desenhar…)? Exclui-se aqui assistir à televisão ou jogar joguinhos eletrônicos, dado que são sensoriais.
  • Ela faz as atividades até o fim?
  • Sua dominância sensorial (visual, auditiva e motora) está toda localizada do mesmo lado (direito ou esquerdo)? 
  • Ela consegue prestar atenção e até mesmo contar as histórias que lhe são contadas sem marionetes ou figuras? Ela atenta-se aos detalhes das histórias que lhe são repetidas?
  • Ela faz desenhos tridimensionais, ou seja, o desenho contém profundidade (exemplo: uma pessoa dentro de uma casa) e movimento (fumaça saindo da chaminé ou um trem em movimento)?
  • Os primeiros molares definitivos nasceram e a troca de dentes começou? Ou seja, está em progressão o apontamento dos ossos mais duros permanentes do corpo (sinalizando que o desenvolvimento cerebral e motor estão liberados para serem refinados)?

Toda essa análise visa a mensurar a maturidade motora, cognitiva e anímica da criança. Ela deve ser feita de forma integrada ao contexto de vida do aluno. Estas três aquisições demonstram a possibilidade de ter raciocínio, memória e imaginação, podendo a criança, enfim, habitar e cultuar seu mundo próprio (no qual pode prescindir do outro). Quando esta é alfabetizada sem atender minimamente a estes critérios, ela tenderá a apresentar problemas nesse processo, a demandar a presença do professor sempre ao seu lado (ou a chamar a sua atenção sobre si) e terá dificuldade de estudar ao longo da vida.

A necessidade de sair do mundo sensorial, criar seu mundo próprio e ser livre é intrínseca ao ser humano. Quando a criança nasce, começa a transcorrer o desenvolvimento do seu pensamento. Ele se dará ao longo dos primeiros sete anos de sua vida através do desenvolvimento excepcional do seu cérebro, que culmina com o desenvolvimento da bainha de mielina (um isolante elétrico rico em lipídeos que permite uma condução mais rápida e eficiente dos impulsos nervosos).

A atividade de escrita demanda que o corpo esteja parado para executar uma ação motora fina extremamente detalhada e complexa. Já a leitura é uma ação tridimensional, que comporta o presente, o passado e o futuro (através da representação e da memorização). A leitura-escrita demanda a associação das formatações dos grafemas aos fonemas, além de inferências, raciocínio, discriminação, ordenação, contextualização… 

Estes foram, portanto, os marcadores elencados pelo palestrante, portanto, como balizadores da prontidão para a alfabetização de acordo com a perspectiva médica antroposófica. Eles remetem à necessidade de atentar-se à progressão saudável do desenvolvimento infantil e ao respeito às suas maturações. O processo de alfabetização é dispendioso, mas pode ocorrer de forma fluida e prazerosa se o espectro da análise da prontidão for respeitado.

A abordagem de desenvolvimento desta capacidade a partir da perspectiva física integrada ao psíquico demonstra a possibilidade de que o processo se dê de forma respeitosa e fluida. Dessa forma, suas etapas, desafios e encantamentos podem ser vivenciados com mais naturalidade e desfrute pelo aluno e pelo professor. 

Embora muitos estudiosos afirmem que a leitura é uma aquisição recente na evolução humana para a qual o cérebro, apesar de adaptado, não está especificamente preparado – como ele o é para a linguagem oral – o palestrante demonstrou que a avaliação e o desenvolvimento da prontidão para a alfabetização potencializam a abertura neural, motora e cognitiva para a apreensão dessa capacidade. Inclusive porque, como o próprio palestrante colocou, há no homem uma espécie de “avidez” anímica e espiritual natural pela aquisição da leitura e da escrita, que se revela durante o processo de maturação humana e se reflete no desenvolvimento da humanidade.

Postagens pedagógicas

𝐕𝐨𝐜ê 𝐭𝐞𝐦 𝐜𝐮𝐫𝐢𝐨𝐬𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐞𝐦 𝐜𝐨𝐧𝐡𝐞𝐜𝐞𝐫 𝐚 𝐏𝐞𝐝𝐚𝐠𝐨𝐠𝐢𝐚 𝐖𝐚𝐥𝐝𝐨𝐫𝐟? 𝐄𝐧𝐭ã𝐨, 𝐚𝐩𝐫𝐨𝐯𝐞𝐢𝐭𝐚! 𝐄𝐬𝐭𝐚𝐦𝐨𝐬 𝐢𝐧𝐢𝐜𝐢𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐡𝐨𝐣𝐞 𝐮𝐦𝐚 𝐬é𝐫𝐢𝐞 𝐝𝐞 𝐩𝐨𝐬𝐭𝐚𝐠𝐞𝐧𝐬 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐚 𝐏𝐖 𝐞𝐧𝐱𝐞𝐫𝐠𝐚 𝐨 𝐬𝐞𝐫 𝐡𝐮𝐦𝐚𝐧𝐨 𝐞 𝐚𝐭𝐮𝐚 𝐞𝐦 𝐬𝐞𝐮 𝐝𝐞𝐬𝐞𝐧𝐯𝐨𝐥𝐯𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐢𝐧𝐭𝐞𝐠𝐫𝐚𝐥. 𝐅𝐢𝐪𝐮𝐞 𝐝𝐞 𝐨𝐥𝐡𝐨 𝐞𝐦 𝐧𝐨𝐬𝐬𝐚𝐬 𝐫𝐞𝐝𝐞𝐬 𝐬𝐨𝐜𝐢𝐚𝐢𝐬! 𝐀 𝐜𝐚𝐝𝐚 𝐬𝐞𝐦𝐚𝐧𝐚 𝐮𝐦𝐚 𝐧𝐨𝐯𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞!

𝐀 𝐂𝐑𝐈𝐀𝐍Ç𝐀 𝐍𝐎 𝟏º 𝐒𝐄𝐓Ê𝐍𝐈𝐎

Partindo de uma visão antropológica, a Antroposofia explica e fundamenta o desenvolvimento humano em ciclos de sete anos, cada qual com suas características marcantes em nosso desenvolvimento. A estes períodos dá-se o nome de setênio. 

Vamos iniciar tratando do primeiro ciclo do desenvolvimento humano – que refere-se a criança desde o nascimento até a fase da troca de dentes, por volta dos 7 anos de idade.

Nesta fase inicial da vida, a criança tem seu corpo físico sendo modelado pelo que denominamos corpo vital; a maior parte de energia e força que o corpo utiliza está voltada para o desenvolvimento da organização física, que é o foco deste setênio. 

Ela é una ao ambiente em que vive, estando completamente imersa no mundo do qual faz parte e portanto, absorve tudo que a permeia como acontece a uma esponja, que tanto absorve líquidos, quando muda de forma ao nosso manuseio. 

A criança realiza sua interação com o mundo através dos órgãos dos sentidos, que são as portas para que ela experimente-o, perceba-o, conheça-o e até se distinga desse todo durante seu crescimento. 

Enquanto adultos, precisamos apresentar um mundo bom para criança, onde ela possa vivenciá-lo de forma positiva, sentindo-se confiante em pertencer a ele e sentindo prazer em nele desenvolver-se. O que é necessário ao seu desenvolvimento precisa ser provido por meio do brincar, do afeto, de limites, de ritmos, da alimentação e do nosso empenho em nos auto educar para transmitirmos o melhor de nós para nossos pequenos.

Texto: professora Aline Aparecida

 

𝐕𝐨𝐜ê 𝐭𝐞𝐦 𝐜𝐮𝐫𝐢𝐨𝐬𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐞𝐦 𝐜𝐨𝐧𝐡𝐞𝐜𝐞𝐫 𝐚 𝐏𝐞𝐝𝐚𝐠𝐨𝐠𝐢𝐚 𝐖𝐚𝐥𝐝𝐨𝐫𝐟? 𝐄𝐧𝐭ã𝐨, 𝐚𝐩𝐫𝐨𝐯𝐞𝐢𝐭𝐚! 𝐃𝐨𝐦𝐢𝐧𝐠𝐨 𝐩𝐚𝐬𝐬𝐚𝐝𝐨 𝐢𝐧𝐢𝐜𝐢𝐚𝐦𝐨𝐬 𝐮𝐦𝐚 𝐬é𝐫𝐢𝐞 𝐝𝐞 𝐩𝐨𝐬𝐭𝐚𝐠𝐞𝐧𝐬 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐚 𝐏𝐖 𝐞𝐧𝐱𝐞𝐫𝐠𝐚 𝐨 𝐬𝐞𝐫 𝐡𝐮𝐦𝐚𝐧𝐨 𝐞 𝐚𝐭𝐮𝐚 𝐞𝐦 𝐬𝐞𝐮 𝐝𝐞𝐬𝐞𝐧𝐯𝐨𝐥𝐯𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐢𝐧𝐭𝐞𝐠𝐫𝐚𝐥. 𝐅𝐢𝐪𝐮𝐞 𝐝𝐞 𝐨𝐥𝐡𝐨 𝐞𝐦 𝐧𝐨𝐬𝐬𝐚𝐬 𝐫𝐞𝐝𝐞𝐬 𝐬𝐨𝐜𝐢𝐚𝐢𝐬! 𝐀 𝐜𝐚𝐝𝐚 𝐬𝐞𝐦𝐚𝐧𝐚 𝐮𝐦𝐚 𝐧𝐨𝐯𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞!

𝐎𝐬 𝐭𝐫ê𝐬 𝐩𝐫𝐢𝐦𝐞𝐢𝐫𝐨𝐬 𝐚𝐧𝐨𝐬 𝐝𝐚 𝐢𝐧𝐟â𝐧𝐜𝐢𝐚

Os três primeiros anos da infância formam o período de vida que o ser humano mais se desenvolve em um curto espaço de tempo. Constituem o alicerce que ficará para sempre registrado em nosso inconsciente e influenciará em toda nossa caminhada.

Através de movimentos constantes que tem início no momento do nascimento, passando pela lactação, pelos movimentos desordenados que levam ao conhecimento do próprio corpo, o bebê consegue no período do primeiro ano de vida sentar, engatinhar e colocar-se de pé, até que dê seus primeiros passos. O que nos mostra que aos poucos, o bebê outrora “desajeitado” vai se apropriando cada vez mais de seus movimentos corporais com intenção. Superando a força da gravidade e colocando-se em postura ereta, este pequeno ser começa a fazer a conquista do mundo através do andar, experimentando novos espaços, aos quais antes não tinha acesso: em cima/em baixo, frente/trás, direita/esquerda.

Após colocar-se de pé no mundo, adquirindo uma visão mais ampla de seu ambiente, a criança passa aos poucos a nomear tudo ao seu redor, iniciando em seu segundo ano de vida a conquista da linguagem. Inicialmente fazendo uso somente de substantivos (Juju), essa linguagem ganha adjetivos (Juju neném) e depois verbos (Juju quer biscoito), aumentando o vocabulário da criança e surgindo assim as primeiras frases, que demonstram que o pensar vai se organizando dentro dela. 

Já por volta do terceiro ano de vida a criança começa a ter percepções de si mesma, percebe que mesmo muito ligada aos seus cuidadores, ela não é um deles. Acontece aí, a primeira tomada de consciência da própria existência, quando a criança se nomeia como ‘eu’ e não mais pelo próprio nome (Eu quero biscoito). Essa noção de autoconsciência é bem perceptível aos cuidadores, pois vem acompanhada da teimosia (fase de birras) e de muitos ‘nãos’, ditos incansavelmente pela criança. 

Andar, falar e pensar se desenvolvem através da imitação, ferramenta que trazemos conosco e que nos é de grande valia, principalmente neste 1º setênio de vida. É imitando os adultos ao seu redor que a criança adquire estas três capacidades. Aqui não funciona o ‘faça o que eu digo, não faça o que eu faço’, precisamos ser o que queremos ver refletido em nossas crianças, somos sua primeira experiência social e interferimos diretamente em seu desenvolvimento.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Role pra cima pra ver as outras. Todo domingo tem novidade!

A CRIANÇA NO JARDIM DE INFÂNCIA

Do terceiro para o quarto ano de vida, a brincadeira infantil passa por uma significativa mudança. Antes a criança brincava com seu próprio corpo e com o que estivesse ao seu alcance visual. Agora, ela passa a ver as coisas de outra forma, através de sua própria vontade. “Ao entrar no recinto onde a criança brinca, deparamos com um espetáculo encantador: o tapete se transformou no mundo. O campo central é o lago, as faixas em redor se transformaram em caminhos. Embaixo da mesa é uma casa. Pedaços de madeiras e banquinhos são trens, carros e morros. Ela sobrepôs sua fantasia à realidade, vendo esta última como a fantasia quer.” (Lievegod, 1994, p.50). 

Neste período a criança que já passou pela primeira tomada de consciência de si mesma, desenvolve uma nova força que se contrapõe ao mundo exterior: a fantasia criativa e torna-se capaz de transformar o mundo conforme suas necessidades interiores. Surge um novo espaço na criança, uma vida interior, que deve ser enriquecida possibilitando-lhe dar livre curso a sua fantasia, a sua própria atividade criativa. 

E foi dessa fantasia criativa que surgiram os contos de fadas populares que revelam para as crianças a nossa natureza espiritual, de forma tão bela. É chegado o momento em que se deve começar a contá-los para ela, repetidas vezes, de modo tranquilo, para que ela possa formar imagens verdadeiras dentro de si, que contribuirão para seu o desenvolvimento interior.

No jardim de infância waldorf, a criança será cuidada por uma jardineira a quem possa imitar, e dentro de uma estruturação rítmica, receberá pequenos contos como alimento diário para sua vida interior, criará bons hábitos, poderá explorar seus sentidos e terá uma espaço apropriado para dar livre curso a sua fantasia, através do brincar.

Texto: professora Aline Aparecida

Como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral? Siga a gente e a cada domingo descubra mais sobre este universo!

𝐀 𝐂𝐑𝐈𝐀𝐍Ç𝐀 𝐍𝐎 𝟐º 𝐒𝐄𝐓Ê𝐍𝐈𝐎

A partir de hoje abordaremos – o segundo ciclo do desenvolvimento humano – que engloba o período de vida que vai da troca de dentes até a chegada da puberdade, aproximadamente dos 7 aos 14 anos de idade.

Passado o período da vida destinado a constituição do corpo físico no 1º setênio, a criança nos dá sinais de que sua estrutura física está formada e é chegado o tempo dessas forças formativas, que antes se ocupavam em totalidade do corpo físico, liberarem-se em grande parte desta tarefa e voltarem-se para capacidade de aprender. É como se a casa que estivesse sendo construída ficasse pronta e agora a tarefa deste grande arquiteto – o corpo vital ou funcional – passasse a ser cuidar de sua manutenção e adorná-la. 

O grande sinal desta mudança de setênios é observável na boca – aparecimento do 1° molar permanente e troca de um dos incisivos – que junto a outros sinais, demonstram que a criança participante do jardim de infância, está madura para fase de escolarização. O que não significa de modo algum que ela esteja apta a um ensino meramente intelectualizado.

Não é mecanicamente que a criança do 2º setênio apreende os conteúdos, mas através do sentimento. A criança, ao compreender o que outra pessoa fala (a imagem que lhe transmite), recria essas imagens vivas em sua própria consciência. Como coloca Piaget, é o “pensar em imagens”. Assim, a criança se liga aos conteúdos pelas imagens que vivenciou.

O professor de classe, que aqui assume a tarefa de apresentar um mundo belo para este ser ávido por conhecê-lo, trará os conteúdos com arte através de sua fala, poesias, músicas, declamações, gestos plenos de sentido, lindas lousas desenhadas… E absorvendo com o coração os conteúdos trazidos desta forma, a criança se vinculará a eles pelo sentimento e assim acontecerá o aprendizado.

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Domingo passado começamos a abordar a criança no 2° setênio de vida. Role para cima e nos acompanhe! Todo domingo tem novidade!

𝐄𝐧𝐭𝐫𝐞 𝐚 𝐭𝐫𝐨𝐜𝐚 𝐝𝐞 𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞𝐬 𝐞 𝐚 𝐩𝐮𝐛𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞𝐩𝐚𝐫𝐭𝐞 𝐈

A passagem do 1º para o 2º setênio, marcada pela tão comentada troca da primeira dentição, traz características novas ao desenvolvimento infantil, mas que não acontecem bruscamente. Alguns aspectos da criança na fase anterior permanecem aqui por alguns anos, de forma que vão diminuindo gradativamente ou se metamorfoseando. É certo que a criança que antes desejava incansavelmente experimentar o mundo brincando e se sentia alimentada pelos curtos contos de fadas do jardim da infância, deseja algo mais e mostra-nos isso claramente através de seu comportamento.

As brincadeiras que já haviam ganhado nova conotação no final do jardim de infância, são cada vez mais estruturadas: as crianças planejam o que fazer tendo uma meta a atingir, continuam de onde pararam no dia anterior e revezam papéis de gente grande ocupando-se com o mundo (são policiais, vendedores, bombeiros, mães, pais, professores, continuando a dar livre curso a sua fantasia criativa). Os desafios corporais tornam-se mais laboriosos, os jogos com regras começam a fazer parte do universo do brincar; acontecem as brincadeiras de susto, interesse pelas mágicas, até que jogos de tabuleiros vão ganhando espaço e as crianças que antes se interessavam somente por brincadeiras com muitos movimentos, passam a também brincar sentadas com os amigos por longo tempo.

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Continuamos abordando a transição do 1° para o 2° setênio de vida, marcada pela tão comentada troca da primeira dentição, e que traz características novas ao desenvolvimento infantil. 

Role até domingo passado para acompanhar o início do texto!

𝐄𝐧𝐭𝐫𝐞 𝐚 𝐭𝐫𝐨𝐜𝐚 𝐝𝐞 𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞𝐬 𝐞 𝐚 𝐩𝐮𝐛𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞𝐩𝐚𝐫𝐭𝐞 𝐈𝐈

Na imitação dos fazeres do adulto (que acontece bastante durante a brincadeira) a criança passa a buscar o sentido do que se está imitando. Antes ela rabiscava porque via adultos escrevendo, agora deseja imitar o movimento das letras e o ato de ler, por exemplo, tentando descobrir os mistérios ali existentes. E é através desta imitação que as crianças, ao adentrarem pela primeira vez numa sala de aula totalmente diferente do que vivenciavam antes, conseguem seguir o ritmo de seu 1º dia de aula. 

Dentre as histórias, os pequenos contos de fadas vão dando lugar a contos maiores. E no decorrer de cada ano, outras histórias virão alimentando o interior da criança conforme suas necessidades, trazendo exemplos diversos de formas de atuação significativa no mundo, fazendo com que a criança deseje inserir-se neste mundo e também viver sua vida com sentido. 

A memória – característica deste setênio – se apresenta, fazendo com que a criança seja capaz de narrar os acontecimentos do dia anterior detalhadamente e ouvir contos maiores, agora contados em partes por alguns dias, recuperando o que foi contado anteriormente; o aprendizado, fruto de suas vivências, tem registro na memória. 

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Continuamos abordando a transição do 1° para o 2° setênio de vida, marcada pela tão comentada troca da primeira dentição, e que traz características novas ao desenvolvimento infantil. 

Role pros domingos anteriores para não perder nada!

𝑬𝒏𝒕𝒓𝒆 𝒂 𝒕𝒓𝒐𝒄𝒂 𝒅𝒆 𝒅𝒆𝒏𝒕𝒆𝒔 𝒆 𝒂 𝒑𝒖𝒃𝒆𝒓𝒅𝒂𝒅𝒆𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝑰𝑰𝑰

Nessa fase da vida se faz necessário a presença de um adulto que apresente o mundo para criança. E a maneira como este é apresentado, faz com que ela desenvolva verdadeiro sentimento de veneração por essa pessoa que lhe traz ‘a alegria de viver, o amor pela existência, a força do labor’, considerando-a uma verdadeira autoridade, alguém digno de ser imitado e merecedor de seu amor por atuar no mundo com sentido. Steiner nos afirma que “o sentimento moral criado nesses anos pelas imagens da vida e pelas autoridades exemplares adquire sua segurança quando, pelo sentido estético, o bom é percebido como belo e o mal como feio”. Diante desta colocação, destaco mais uma vez a necessidade de, enquanto adultos, estarmos em constante ocupação com nosso processo de auto-educação, pois somos os olhos que a criança se utiliza para enxergar o mundo, o sustentáculo onde ela deposita toda sua confiança.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano em seu desenvolvimento integral e assim atua em sua educação. A cada domingo uma novidade! Volte nas postagens anteriores e acompanhe cada fase abordada desde o início do 1° setênio.

𝐀 𝐂𝐑𝐈𝐀𝐍Ç𝐀 𝐄𝐌 𝐈𝐃𝐀𝐃𝐄 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

“Devem, portanto, prestar atenção no momento em que ela passa pela troca dos dentes e […] quando, pouco a pouco, a curiosidade e o anseio de saber vêm à tona – e em como devem então ser cuidadosos e cheios de tato […].”

Rudolf Steiner

Enquanto educadores, precisamos conhecer antropologicamente o desenvolvimento infantil e aguçar nossa sensibilidade para perceber as várias transformações e mudanças que acontecem com as crianças neste período de transição entre o Jardim de Infância e o Ensino Fundamental. Através de nosso interesse vivo pelo que desperta na criança, deveremos guiar nosso trabalho em seu processo de escolarização.

Como citado anteriormente, com a chegada do 2º setênio e o corpo físico devidamente estruturado, abre-se espaço para que algo novo possa ocorrer: a escolarização da criança. Anuncia-se o tão ansiado 1º ano escolar, onde a criança começará a ser apresentada ao mundo através dos letras e dos números, o ano da alfabetização. Mas, para que o conhecimento aconteça de forma sadia, é preciso observar características que demonstrem que a criança está no momento correto para tal. A troca da dentição de leite é a característica mais destacada e além dela, há muitas outras que devem ser estudadas e observadas na criança desde o início de seu provável último ano no jardim. No próximo domingo abordaremos mais sobre elas. Não perca! 

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com nossa série de postagens mostrando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. 

𝐀 𝐂𝐑𝐈𝐀𝐍Ç𝐀 𝐄𝐌 𝐈𝐃𝐀𝐃𝐄 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

𝘈𝘴𝘱𝘦𝘤𝘵𝘰𝘴 𝘥𝘢 𝘮𝘢𝘵𝘶𝘳𝘢çã𝘰 𝘦𝘴𝘤𝘰𝘭𝘢𝘳

Dando continuidade a postagem de domingo passado, apresentamos características além da troca da dentição que devem ser estudadas e observadas na criança desde o início de seu provável último ano no jardim. Eis algumas delas:

– O estabelecimento de uma meta é introduzido na brincadeira, a criança propõe-se a uma tarefa, o que demonstra o aparecimento de uma vontade intencional;

– Manifesta certo tédio da rotina do jardim, pois deseja aprender coisas novas e vivenciar outros desafios;

– Perde os detalhes do corpo de bebê como a barriguinha, o beicinho, as covinhas dos dedos das mãos, parte das características físicas herdadas dos pais e ganha altura, a forma no arco dos pés, a curvatura na coluna (que cria certa cintura e abre os ombros), o rosto alonga e muda de expressão;

– Nascem os primeiros molares permanentes e em seguida inicia-se a troca pelos incisivos centrais inferiores e superiores, consecutivamente;

– Realiza muitas façanhas: a mão consegue tocar a orelha do outro lado, passando por cima da cabeça; anda em linha reta; agarra uma bola quando jogada; pula com um pé só ou com os pés juntos; joga bola ou pula corda com ritmo e falando um verso; sobe escadas com pés alternados; 

– Aparece a divisão entre céu e terra nos seus desenhos; 

– Reconta uma história de memória;

– Na fala utiliza-se todos os fonemas da língua materna.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens mostrando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Abordamos a criança na 1° infância, sua passagem pelo jardim de infância e agora chegamos na criança em idade de alfabetização. Role pra cima e veja todas as nossas postagens anteriores!

𝐀 𝐂𝐑𝐈𝐀𝐍Ç𝐀 𝐄𝐌 𝐈𝐃𝐀𝐃𝐄 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

𝐀𝐬𝐩𝐞𝐜𝐭𝐨𝐬 𝐝𝐨 𝐚𝐦𝐛𝐢𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐩𝐞𝐝𝐚𝐠ó𝐠𝐢𝐜𝐨

Pronta para adentrar ao ensino fundamental, a criança que inicia sua vida escolar, se depara com algo bem distinto do que vivenciou durante o período que fez parte do Jardim de Infância. Um novo ambiente a aguarda, com mesas e cadeiras predispostos de forma que a professora ou professor de classe possa colocar-se à frente da turma e conduzi-la por todo tempo de aula.

Esse professor que acompanhará a turma durante alguns anos, representa um ponto de referência para os alunos, é a quem chamamos de autoridade amada – ele é autor de seus atos com sentido, é visto pelos alunos como um herói e deve ser digno de merecer o amor e veneração destes, que atuam por amor a ele. Pelo seu empenho, incutirá hábitos saudáveis em seus alunos e os conduzirá na formação de grupo e no respeito às regras, o que será levado por todas suas vidas.

É através da linguagem falada que o professor apresenta o mundo exterior para criança e introduz verdades da vida em seu mundo interior. A palavra falada que vai de um ser humano ao outro, faz a criança formar imagens, que vão preenchendo seu mundo interior.

Assim, ‘entusiasmando-se sempre de novo pela matéria que ensina’, o professor fala ao coração de seus alunos, que recebem seus ensinamentos com o mesmo entusiasmo que ele tem dentro de si e desta forma, a alfabetização deste aluno escolar acontece.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens mostrando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Role para cima e acompanhe as nossas postagens anteriores!

𝐑𝐢𝐭𝐦𝐨 𝐝𝐢á𝐫𝐢𝐨 𝐧𝐨 𝟏º 𝐚𝐧𝐨

𝑪𝒐𝒎 𝒔𝒖𝒂 𝒍𝒖𝒛 𝒒𝒖𝒆𝒓𝒊𝒅𝒂 

𝒐 𝒔𝒐𝒍 𝒄𝒍𝒂𝒓𝒆𝒊𝒂 𝒐 𝒅𝒊𝒂

𝒆 𝒐 𝒑𝒐𝒅𝒆𝒓 𝒅𝒐 𝒆𝒔𝒑í𝒓𝒊𝒕𝒐

𝒒𝒖𝒆 𝒃𝒓𝒊𝒍𝒉𝒂 𝒏𝒂 𝒎𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒂𝒍𝒎𝒂

𝒅á 𝒇𝒐𝒓ç𝒂 𝒂𝒐𝒔 𝒎𝒆𝒖𝒔 𝒎𝒆𝒎𝒃𝒓𝒐𝒔

𝑵𝒂 𝒍𝒖𝒛 𝒅𝒐 𝒔𝒐𝒍, 𝒐𝒉 𝑫𝒆𝒖𝒔

𝒗𝒆𝒏𝒆𝒓𝒐 𝒂 𝒇𝒐𝒓ç𝒂 𝒉𝒖𝒎𝒂𝒏𝒂 

𝒒𝒖𝒆 𝑻𝒖, 𝒃𝒐𝒏𝒅𝒐𝒔𝒂𝒎𝒆𝒏𝒕𝒆

𝒑𝒍𝒂𝒏𝒕𝒂𝒔𝒕𝒆 𝒏𝒂 𝒎𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒂𝒍𝒎𝒂

𝑷𝒂𝒓𝒂 𝒒𝒖𝒆 𝒆𝒖 𝒑𝒐𝒔𝒔𝒂 𝒕𝒆𝒓 

𝒂𝒏𝒔𝒆𝒊𝒐 𝒆𝒎 𝒕𝒓𝒂𝒃𝒂𝒍𝒉𝒂𝒓

𝑷𝒂𝒓𝒂 𝒒𝒖𝒆 𝒆𝒖 𝒑𝒐𝒔𝒔𝒂 𝒕𝒆𝒓 

𝒅𝒆𝒔𝒆𝒋𝒐 𝒅𝒆 𝒂𝒑𝒓𝒆𝒏𝒅𝒆𝒓

𝑫𝒆 𝑻𝒊, 𝒗𝒆𝒎 𝒍𝒖𝒛 𝒆 𝒇𝒐𝒓ç𝒂

𝑸𝒖𝒆 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝑻𝒊 𝒓𝒆𝒇𝒍𝒖𝒂𝒎 

𝒂𝒎𝒐𝒓 𝒆 𝒈𝒓𝒂𝒕𝒊𝒅ã𝒐.’ 

(𝑹𝒖𝒅𝒐𝒍𝒇 𝑺𝒕𝒆𝒊𝒏𝒆𝒓)

No 1º ano o tempo que o aluno fica na escola é dividido entre a aula principal, o recreio e as aulas extras.

A aula principal compreende as primeiras duas horas da manhã e é realizada no seguinte ritmo: O professor recebe os alunos na porta da sala, cumprimentando e fazendo contato visual com cada um; dentro da sala, o professor saúda o grupo e todos juntos declamam o verso da manhã (vide epígrafe); dá-se início a parte rítmica da aula, composta por canto, declamações individuais e em grupo, tocar instrumentos, movimento, brincadeiras; a parte rítmica dá lugar ao desenho de formas, onde as crianças após verso preparatório, se dedicam a executar a forma apresentada que será trabalhada por alguns dias; segue-se então um momento de retrospectiva da aula do dia anterior e, como novidade, chega o conteúdo do dia.

Encerrando esse tempo junto ao professor de classe, acontece o momento da história, precedido da preparação do ambiente da sala e do interior de cada criança, para receber o conto de fadas. Ainda dentro do tempo da aula principal, as crianças lancham junto ao seu professor. 

Depois de um recreio de 30 minutos (ou mais) até o momento de ir embora, iniciam-se as aulas extras como os professores de matéria (duas línguas estrangeiras, música, trabalhos manuais, euritmia, religiosidade) ou com o próprio professor de de classe (jogos e atividades artísticas como pintura e aquarela).

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com nossa série de postagens dominicais contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e auxilia em seu desenvolvimento integral. Você já ouviu falar de ensino em épocas? Conheça um pouco das épocas do 1° ano escolar!

𝐎 𝐄𝐧𝐬𝐢𝐧𝐨 𝐞𝐦 É𝐩𝐨𝐜𝐚𝐬

Na Pedagogia Waldorf o ensino acontece em épocas. Os conteúdos são trabalhados agrupados em blocos por um período de quatro semanas. Encerrada uma época, outra vem permitindo que tudo que foi trabalhado nas últimas semanas adormeça na criança e seja acordado ao ser retomado em épocas futuras, acontecendo até mesmo daquilo que foi um desafio para criança ressurgir amadurecido e sem as dificuldades outrora existentes. No 1º ano trabalhamos em torno de nove épocas anuais, sendo a primeira a Época de Desenho de Formas, que antecede quatro épocas de Português (apresentação de todo alfabeto, escrita e leitura) e quatro épocas de Matemática (apresentação dos números romanos, dos algarismos indo-arábicos e das quatro operações matemáticas), que acontecem alternadamente.

O desenho de formas é uma atividade pedagógica indicada por Rudolf Steiner para ser usada a partir do 1º ano escolar, constituindo aí a base para o aprendizado da escrita, através do treino de linhas retas e curvas. A vivência do traçado destas linhas se inicia com o corpo e chega a ponta dos dedos, partindo do movimento amplo para o movimento fino. Já no primeiro dia de aula num 1º ano, onde as crianças oriundas de um Jardim de Infância Waldorf escrevem pela primeira vez, são apresentadas a linha reta ( l ) e a linha curva ( C ) que servirão de base para escrita do alfabeto bastão maiúsculo. 

Os demais conteúdos como os reinos da Natureza, os quatro elementos, as estações do ano e os astros são cultivados através das atividades rítmicas, de narrações e pela observação da Natureza, durante todo o ano.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Acompanhe hoje como se dá a alfabetização num 1° ano waldorf!

𝕯𝖆 𝖍𝖎𝖘𝖙ó𝖗𝖎𝖆 𝖕𝖆𝖗𝖆 𝖑𝖊𝖙𝖗𝖆

Quando as letras são introduzidas no 1º ano, as vogais se formam a partir de gestos que se transformam em símbolos e as consoantes são apresentadas fazendo o caminho da história para letra, passando pela imagem.

Em tempos primórdios, o conhecimento era transmitido pela tradição oral e ficava registrado exclusivamente na memória, com o passar do tempo começaram a existir os registros através das imagens (pinturas rupestres) e depois dos hieróglifos, a partir dos quais foi criado o primeiro alfabeto composto só por consoantes. O processo de alfabetização Waldorf, acontece relembrando o processo em que ocorreu a alfabetização da humanidade. A apresentação de cada uma das consoantes se dá da mesma forma: 

– as crianças ouvem uma história da qual é tirada uma estrofe que será explorada oralmente;

– depois do trabalho oral, é apresentado o desenho na lousa, cuja forma e movimento propiciarão a retirada da letra trabalhada. As crianças reproduzem o desenho em seus cadernos com todo empenho e capricho;

– por fim, a letra é apresentado aos alunos e eles citam palavras com este mesmo som, que serão registradas em seus cadernos.

A grande diferença na apresentação das vogais em relação as consoantes é que após o trabalho oral (da história até a estrofe), se passa para um trabalho corporal, com movimentos que envolvem todo o corpo acompanhados dos sons AH – EH – IH – OH – UH. A imagem registrada no caderno pode ser a imagem do movimento do nosso corpo, do nosso grande gesto. E enquanto com as consoantes as imagens trazem algo que se transforma em símbolo, as vogais trarão qualidades anímicas como alegria, insistência, otimismo, entusiasmo e união, por exemplo.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Acompanhe um pouco deste dia tão especial numa escola waldorf!

𝗢 𝗱𝗶𝗮 𝗱𝗼 𝗮𝗿𝗰𝗼 𝗱𝗲 𝗳𝗹𝗼𝗿𝗲𝘀

𝓞𝓵𝓱𝓪 𝓪𝓺𝓾𝓮𝓵𝓮 𝓪𝓻𝓬𝓸 𝓭𝓮 𝓯𝓵𝓸𝓻𝓮𝓼

𝓶𝓸𝓼𝓽𝓻𝓪𝓷𝓭𝓸 𝓸 𝓬𝓪𝓶𝓲𝓷𝓱𝓸 

𝓟𝓪𝓻𝓪 𝓾𝓶 𝓹𝓻í𝓷𝓬𝓲𝓹𝓮 𝓫𝓮𝓶 𝓬𝓸𝓻𝓪𝓳𝓸𝓼𝓸

𝓹𝓪𝓻𝓪 𝓾𝓶𝓪 𝓹𝓻𝓲𝓷𝓬𝓮𝓼𝓪 𝓬𝓸𝓻𝓪𝓳𝓸𝓼𝓪 

𝓢𝓮𝓰𝓾𝓲𝓻 𝓬𝓸𝓶 𝓪𝓵𝓮𝓰𝓻𝓲𝓪!”

Chega, para alegria das crianças, das famílias e de toda comunidade escolar o tão aguardado dia do arco de flores, o ritual de passagem do Jardim de Infância para o Ensino Fundamental! 

Sou a professora Aline Aparecida, agora no 4° ano; acompanho minha turma desde esse dia tão especial. A música citada na epígrafe acima, foi descoberta enquanto buscava inspiração de como seria esse dia quando chegasse a minha vez de postar-me debaixo do arco. Numa busca realizada na internet, eis que surge um vídeo do arco de flores do ano de 2013, na Escola Cora Coralina em Florianópolis. Fiquei tão encantada que neste momento já comecei a cantarolar a música, visualizando cada um dos meus futuros alunos sendo conduzido por ela. 

Quando iria receber minha classe de 1º ano, foi com muita emoção que no segundo dia do novo ano letivo, professoras, coordenação, direção e alunos maiores nos reunimos bem cedo para preparar o nosso arco de flores. Mais do que flores materiais, uma primavera de sentimentos e emoções tomou conta do ambiente, em alto verão fluminense.

Deu-se a hora marcada, mães, pais e crianças que passariam pelo arco se postaram em posição oposta ao mesmo junto a sua “ex-jardineira”; de ambos os lados do caminho preparado para passagem, alunos do 2º ao 5º ano com suas professoras estavam prontos a receber os novos amigos.

Dadas as boas-vindas e ditas as palavras iniciais, criança por criança foi chamada por seu nome completo e trazida até o arco por sua família, enquanto se entoava aquela linda canção. Abraços dados pela primeira vez como se fosse num reencontro de velhos conhecidos. Momentos que as palavras não são capazes de descrever!

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Semana passada me apresentei, ao contar do dia do arco de flores de minha classe, em 2017. Vamos agora descobrir como foi o 1° dia de aula!

𝑨𝑳𝑭𝑨𝑩𝑬𝑻𝑰𝒁𝑨𝑵𝑫𝑶 𝑵𝑶 𝑴𝑶𝑴𝑬𝑵𝑻𝑶 𝑪𝑶𝑹𝑹𝑬𝑻𝑶 𝑬 𝑵𝑨 𝑫𝑶𝑺𝑬 𝑪𝑬𝑹𝑻𝑨 – 1ª 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆

Encerrado o momento do arco de flores, seguimos juntos para nova sala de aula, onde todos foram saudados pela professora posicionada à sua frente e através dos gestos e canções que indicam posturas e movimentos, seguiram o novo ritmo escolar, desde as boas-vindas na porta até o momento da despedida. 

Olhares curiosos, assimilando o novo ambiente e eis que surge a primeira mãozinha levantada: “Professora, é hoje que vamos aprender a ler e escrever?”. Respondi que iríamos começar hoje sim, fazendo com nossas mãos algo muito importante que os adultos fazem. E assim traçamos as primeiras linhas reta e curva. Todas as crianças encantaram-se por esse trabalho.

O aluno da primeira pergunta realmente era o mais apressado para aprender a ler e escrever – seu maior desejo. Sabia que ele havia tido sua primeira infância preservada e não foi apresentado às letras antes do tempo devido, nem dentro nem fora da escola. Sua família o confiou a uma Jardim Waldorf por conhecer e acreditar nesta Pedagogia, não indo na contramão da proposta escolar. Porém, a classe também era formada de alunos oriundos de outras escolas e já pré-alfabetizados. E, para todos, a metodologia de alfabetização da Pedagogia Waldorf – respeitando a curiosidade e o anseio de saber, que vêm à tona gradativamente na criança – trouxe resultados benéficos, levando meus queridos alunos e alunas a alfabetizarem-se no momento correto e na dose certa, com prazer e alegria!

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Lembram da pergunta do 1º dia de aula? Depois de trilhado o caminho necessário, na terceira época anual, aconteceu a primeira Época de Português. 

𝑨𝑳𝑭𝑨𝑩𝑬𝑻𝑰𝒁𝑨𝑵𝑫𝑶 𝑵𝑶 𝑴𝑶𝑴𝑬𝑵𝑻𝑶 𝑪𝑶𝑹𝑹𝑬𝑻𝑶 𝑬 𝑵𝑨 𝑫𝑶𝑺𝑬 𝑪𝑬𝑹𝑻𝑨𝟐ª 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆

Vogais começaram a surgir e acho que esse foi um dos dias mais felizes da vida de meus alunos, tanto pelo que seus olhos demonstraram, como por saber que contaram para todos quanto puderam a novidade mais esperada daquele 1º ano escolar. Eles procuravam as letras apresentadas em seus corpos e em todo ambiente, faziam mil perguntas, contavam das letras que viam no caminho, das palavras que descobriam com ajuda de alguém…

No 1º ano, dentre as épocas anuais, temos quatro Épocas de Português, nas quais todo o alfabeto vai chegando sem pressa, de forma artística, bela e prazerosa, da história para letra. Ao findar a terceira época, meus alunos já tinham descoberto como se formam as sílabas e as palavras e estavam escrevendo e lendo, sem nenhuma pressão e sentindo-se felizes e orgulhosos por suas aquisições (aquilo que é esperado para uma criança de 1º ano).

O ano correu, as épocas foram vivenciadas e lá pelo meado do terceiro trimestre, aquela mãozinha do primeiro dia de aula novamente é levantada e diz: ‘- Tia Aline, eu já sei ler e quando leio acontece uma coisa.’, sinto-me enlevada por essa partilha, a acolho e pergunto que coisa é essa que acontece. Ele responde ‘-Agora quando eu leio, eu entendo tudo o que eu leio,’ Ele fez essa descoberta por si mesmo, seu desejo do 1º dia de aula se realizara!

Hoje continuamos juntos, estamos quase findando o 4º ano. Felizmente, meus queridos alunos permanecem entusiasmados e encantados pelo mundo das letras; e eu continuo encantada por eles e entusiasmada a cada dia tentar ser melhor, para que eu possa sempre apresentar-lhes o mundo através das mais belas imagens.

Texto: professora Aline Aparecida

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. 

Você sabia que um dos grandes diferenciais da PW é o professor de classe acompanhar seus alunos por seguidos anos escolares? 

𝐎 𝐩𝐫𝐨𝐟𝐞𝐬𝐬𝐨𝐫 𝐝𝐞 𝐜𝐥𝐚𝐬𝐬𝐞𝐚 𝐫𝐞𝐥𝐚çã𝐨 𝐞𝐧𝐭𝐫𝐞 𝐩𝐫𝐨𝐟𝐞𝐬𝐬𝐨𝐫 𝐞 𝐚𝐥𝐮𝐧𝐨

Na Pedagogia Waldorf o professor de classe – que é aquele que recebe os alunos e fica com eles durante toda a aula principal – acompanha a turma do 1º ao 8º ano (caso a escola tenha essas turmas). É ele que ministra a maior parte das matérias e passa a maior parte do tempo com seus alunos: desde as boas-vindas até a hora do recreio. Aos professores especialistas cabem as matérias complementares (alemão, inglês, música, trabalhos manuais…), que somente são ministradas após esse intervalo da manhã.

Trabalhando todos os dias com seus alunos, o professor de classe tem condição de estabelecer com eles uma relação de confiança e alcançar uma autoridade natural. Como costumamos dizer, o professor de classe se torna a autoridade amada, buscando a cada dia sua autoeducação, consciente que seu exemplo como ser humano faz parte do meio ambiente formador da criança. 

Como autor de suas aulas, o conhecimento de seus alunos devido aos anos de convivência, somado ao conhecimento antropológico-antroposófico do ser humano, faz com que o professor planeje e realize suas aulas atendendo sua classe coletivamente, respeitando o momento biográfico que estão vivenciando, ao mesmo tempo que atende as especificidades de cada individualidade. 

Como contei anteriormente, minha classe passou pelo Arco de Flores em 2017, dando início ao Ensino Fundamental e seguimos juntos até hoje. Agora estamos no 4º ano, quase 5º, como falo para meus queridos alunos. E posso garantir que é uma experiência de imensa responsabilidade e extremamente gratificante, tanto pelo vínculo criado com as crianças, como com suas famílias. Todos saímos ganhando com essa convivência de anos!

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Como vimos no domingo anterior, na escola waldorf o professor segue junto com sua classe até o 8º ano, o que contribui e muito para o começo de um novo ano letivo, onde as relações são contínuas e já se conhece o ponto de partida que dará impulso ao trabalho. 

𝐎 𝐒𝐄𝐆𝐔𝐍𝐃𝐎 𝐀𝐍𝐎 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

Podemos nomear o 2º ano waldorf como o ano do tempo. E tempo é ritmo, movimento, ciclo, polaridade… Neste contexto, do macro para o micro os alunos observam e vivenciam as mudanças ocorridas na Natureza, desde o todo formado pelo ano até o pequenino segundo, passando pelas datas comemorativas, estações do ano, calendário, relógio… O ciclo da água, através da Época Da Gotinha d’Água, e o ciclo da semente à utilização da planta, através da Época Horta, Pomar e Jardim também vem fortalecer esse contexto no mundo mineral e vegetal. 

A escrita e a leitura são consolidadas durante todo ano através de histórias, poemas, trava-línguas, canções, brincadeiras e etc., acompanhados pelo movimento rítmico corporal. 

E é este movimento rítmico corporal, trabalhado diariamente, que traz as tabuadas de forma viva até a memória. Aqui, a tabuada é decorada no sentido etimológico da palavra: “guardar no coração”. Durante quatro épocas anuais, as tabuadas do 1 ao 12 passam a fazer parte do dia a dia escolar, se estendendo para muito além do 2º ano.

Nas histórias, os contos de fadas dão lugar as fábulas e lendas de santos, causando até certo espanto por parte dos alunos, pela construção textual tão distinta do que estavam acostumados anteriormente. Uma vem mostrar as fraquezas humanas cotidianas através das figuras de animais, e outra, em contrapeso, a grandeza que o homem pode alcançar na busca de aperfeiçoamento. Cultivadas lado a lado, as fábulas e lendas despertam duas posturas anímicas que se complementam; “de um lado, tolerância temperada com humor, do outro, capacidade de admirar”.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. A cada domingo um pouco desta pedagogia tão completa para você!

𝐎 𝐓𝐄𝐑𝐂𝐄𝐈𝐑𝐎 𝐀𝐍𝐎 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

Neste período as crianças começam a viver a crise dos 9 anos – se percebendo enquanto individualidade – não se vendo mais una ao outro e nem ao todo; é como se de repente, acordassem num mundo diferente e desconhecido, o que gera a sensação da queda do paraíso, da perda da segurança, do despertar para possibilidade da própria morte e da morte das pessoas que ama. E sabiamente, o currículo waldorf vem ancorar este momento biográfico, mostrando para elas que vale a pena viver neste novo e “desconhecido” mundo, com o qual podemos e devemos interagir, atuando positivamente.

As histórias do Antigo Testamento vêm trazendo a criação do mundo, a chegada do homem na Terra e a atuação deste desde a queda do paraíso, mostrando assim o surgimento das profissões primordiais, a evolução das moradias no decorrer da história da humanidade, que se dão, graças ao dom de transformar do qual é dotado cada ser humano – o que fica ainda mais evidente no processo do preparo da terra para o plantio do trigo, até a colheita e preparo do pão com a farinha produzida pela própria classe.

Este novo mundo – interno e externo – precisa ser reconhecido, organizado e classificado, o que acontece, principalmente, na Língua Portuguesa através do início do trabalho com as classes gramaticais (substantivos, adjetivos e verbos) e na Matemática com a chegada do sistema de numeração decimal.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Domingo passado, contando sobre O TERCEIRO ANO ESCOLAR, citamos a crise dos nove anos. Vamos entender um pouco mais deste momento biográfico tão marcante na vida da criança!

𝕬 𝖈𝖗𝖎𝖘𝖊 𝖉𝖔𝖘 9 𝖆𝖓𝖔𝖘𝖆 𝖖𝖚𝖊𝖉𝖆 𝖉𝖔 𝖕𝖆𝖗𝖆í𝖘𝖔

A criança pequena é una ao ambiente; vive plenamente imersa em seu meio, não se diferenciando de outras pessoas ou de outros seres. No decorrer do seu desenvolvimento, chega um momento em que ela começa a distinguir-se. Isso é algo novo e pode trazer um turbilhão de emoções, que do campo do sentimento cheguem a atingir o físico. A criança começa a se descobrir enquanto individualidade e não tem consciência do que está acontecendo. Sentir-se só e ensimesmar-se são características deste momento. Medo, insegurança, despertar para existência da morte, dores de barriga e de cabeça, sentir cada arranhão ou uma picada de inseto como algo que arrisca sua vida, são indícios comuns de que nossa criança está passando pela crise dos 9 anos – a queda do paraíso. Tal qual Adão e Eva que eram unos aos paraíso e ao comerem do fruto da árvore do conhecimento e serem expulsos para Terra, se dão conta de que estão nus, acontece com a criança. Por isso, as histórias do Antigo testamento vêm ancorar este momento biográfico.

Uma vez na Terra, Adão e Eva precisam buscar meios de sobrevivência e assim o fazem: com o que a natureza oferece constroem suas primeiras roupas, buscam o próprio alimento, providenciam o primeiro abrigo, nomeiam tudo que há… e a partir deles, todos os homens são capazes de, através do trabalho, criar, transformar, plantar, organizar, o que mostra para nossas crianças que a própria Terra nos dá a condição de viver nela e que vale a pena estar aqui. E esse trabalho que representa o dom de transformar, específico do homem, rodeia todo o 3º ano, nos ensinando a usar de forma útil e bela os dons que trazemos conosco.

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a Pedagogia Waldorf enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Semana passada falamos um pouco sobre a crise dos 9 anos – a queda do paraíso, que se inicia no 3º ano escolar. Mas, o que acontece depois?

𝐎 𝐐𝐔𝐀𝐑𝐓𝐎 𝐀𝐍𝐎 𝐄𝐒𝐂𝐎𝐋𝐀𝐑

Na crise dos 9 anos a criança passa por um processo de consciência de si, trazido pela manifestação do EU, que faz com que ela se reconheça enquanto individualidade. As mudanças iniciadas no 3º ano se consolidam no 4º, o que podemos perceber nesse processo de individualização cada vez mais evidente: surge a separação entre meninos e meninas com a identificação com uns e o estranhamento com outros, os embates na classe são mais frequentes, o professor deixa de ser perfeito… A criança se afasta do mundo uno e agora necessita afirmar-se neste “novo” mundo, o qual ela passa a olhar analiticamente.

O currículo waldorf vem ancorar este momento com a Mitologia Nórdica fazendo o caminho do homem do céu à terra, até a chegada do EU – nossa individualidade. Nesse contexto, auxiliando a criança a se situar no tempo e no espaço, as épocas de Português, Geografia e História local contam de suas raízes, pertencimento, de sua localização, partindo do tempo atual – o presente, conhecendo o pretérito e vislumbrando o futuro. Nas épocas de Matemática, o trabalho com as frações trazem a compreensão do todo e das partes e a segurança que mesmo independizando-se, não deixa-se de fazer parte do todo do qual surgimos. A análise do mundo fracionado fica também perceptível na época de Antropologia e Zoologia que desmembra o ser humano em partes interdependentes, tal como somos nós em relação ao mundo, e separa os seres da criação em reinos, dando ênfase ao reino mais próximo do homem – o animal, diferenciando-nos destes, por termos nossos braços e mãos livres para aprender a agir de forma altruísta com todos os seres ao nosso redor, dom esse, que deve caracterizar nossa espécie!

Texto: professora Aline Aparecida

 

Seguimos com a série de postagens contando como a PW enxerga o ser humano e atua em seu desenvolvimento integral. Após as vivências decorrentes da crise dos 9 anos, o que será que se apresenta?

O QUINTO ANO ESCOLA

Podemos entender o 5º ano como o ápice de uma montanha que a criança vem galgando desde o nascimento e agora, corporalmente, atinge uma proporção tão harmoniosa que somente será alcançada na vida adulta. Para atender esse momento, a melhor imagem é a do grego do período da Grécia Clássica – aquele momento em que a humanidade atinge com sua capacidade de percepção e reflexão a possibilidade de pensar sobre o mundo e não de simplesmente viver nele. A criança começa a olhar o mundo e refletir sobre ele e daí nascem muitas perguntas. Inaugura-se um período maravilhoso de maior diálogo entre as próprias crianças e entre as crianças e os adultos que as cercam. Do pico da montanha ela olha o mundo inteiro e tem vontade de conhecê-lo profundamente.

Épocas como as de História das Antigas Civilizações, Geografia, Zoologia, Geometria, além das de Língua Portuguesa e Matemática, vêm apoiar este momento biográfico, inserindo as crianças no espaço através do conhecimento das etapas do desenvolvimento da humanidade e da descoberta de um mundo mais objetivo, com leis mais independentes do ser humano, desenvolvendo nelas o interesse pelo mundo e pelos seus semelhantes. É natural que essas aulas falem ao sentimento (como deve acontecer em todo o 2º setênio), mas além disso, se voltando para o pensar imagético-concreto; as crianças tem de poder sentir um imenso prazer quando começam a captar pequenos detalhes e fazer grandes relações. 

Coroando o 5º ano, grupos de escolas waldorf se juntam para os Jogos Gregos, onde os alunos começam o dia com arte, vivenciam o pentatlo – conjunto dos cinco principais exercícios atléticos praticados pelos antigos gregos: corrida, arremesso de disco, salto, lançamento de dardo e luta – e encerram sendo agraciadas com belas coroas de louros.

Texto: professora Aline Aparecida