Prontidão para Alfabetização
(Transcrição livre da palestra ministrada por Darlan Schottz Ferreira no dia 25/10/2018)

Texto: Fernanda Sansão Hallack
Psicóloga, mãe de dois filhos do Jardim-Escola Michaelis.

A prontidão para a alfabetização é a capacidade de adquirir duas habilidades de instâncias diferentes: a do pensamento (ler) e a do movimento (escrever). São, portanto, duas atividades que são coordenadas na leitura-escrita que pressupõem, por sua feita, a capacidade imagética (já que a escrita não contém a imagem) e de ação motora fina. Essas possibilidades precisam ser desenvolvidas e maturadas porque a criança pequena é essencialmente sensorial.

Somente quando ela adquire a capacidade de sair da imanência do tempo presente e entender que as coisas acontecem - e passam, podendo ser memorizadas - ela começa a comportar um mundo de representação “que se passa somente dentro dela”.

Já a motricidade fina ocorre depois do desenvolvimento da motricidade ampla. Nos primeiros sete anos de vida, o ser humano adquire os movimentos amplos da espécie animal. Os movimentos involuntários do bebê vão sendo assumidos e misturados aos movimentos voluntários. Engatinhar e andar são movimentos também involuntários e reflexos (embora sejam impelidos pela vontade). As perguntas que se deve fazer num teste de prontidão são estas:

1) A criança consegue parar (para comer, para desenhar...)? Exclui-se aqui assistir à televisão ou jogar joguinhos eletrônicos, dado que são sensoriais.

2) Ela faz as atividades até o fim?

3) Sua dominância sensorial (visual, auditiva e motora) está toda localizada do mesmo lado (direito ou esquerdo)?

4) Ela consegue prestar atenção e até mesmo contar as histórias que lhe são contadas sem marionetes ou figuras? Ela atenta-se aos detalhes das histórias que lhe são repetidas?

5) Ela faz desenhos tridimensionais, ou seja, o desenho contém profundidade (exemplo: uma pessoa dentro de uma casa) e movimento (fumaça saindo da chaminé ou um trem em movimento)?

6) Os primeiros molares definitivos nasceram e a troca de dentes começou? Ou seja, está em progressão o apontamento dos ossos mais duros permanentes do corpo (sinalizando que o desenvolvimento cerebral e motor estão liberados para serem refinados)?

Toda essa análise visa a mensurar a maturidade motora, cognitiva e anímica da criança. Ela deve ser feita de forma integrada ao contexto de vida do aluno. Essas três aquisições demonstram a possibilidade de ter raciocínio, memória e imaginação, podendo a criança, enfim, habitar e cultuar seu mundo próprio (no qual pode prescindir do outro). Quando ela é alfabetizada sem atender minimamente a esses critérios, tenderá a apresentar problemas nesse processo, a demandar a presença do professor sempre ao seu lado (ou a chamar a sua atenção sobre si) e terá dificuldade de estudar ao longo da vida. A necessidade de sair do mundo sensorial, criar seu mundo próprio e ser livre é intrínseca ao ser humano.

Quando a criança nasce, começa a transcorrer o desenvolvimento do seu pensamento. Ele se dará ao longo dos primeiros sete anos de sua vida através do desenvolvimento excepcional do seu cérebro, que culmina com o desenvolvimento da bainha de mielina (um isolante elétrico rico em lipídeos que permite uma condução mais rápida e eficiente dos impulsos nervosos). A atividade de escrita demanda que o corpo esteja parado para executar uma ação motora fina extremamente detalhada e complexa.

Já a leitura é uma ação tridimensional, que comporta o presente, o passado e o futuro (através da representação e da memorização). A leitura-escrita demanda a associação das formatações dos grafemas aos fonemas, além de inferências, raciocínio, discriminação, ordenação, contextualização... Esses foram, portanto, os marcadores elencados pelo palestrante, portanto, como balizadores da prontidão para a alfabetização de acordo com a perspectiva médica antroposófica. Eles remetem à necessidade de atentar-se à progressão saudável do desenvolvimento infantil e ao respeito às suas maturações.

O processo de alfabetização é dispendioso, mas pode ocorrer de forma fluida e prazerosa se o espectro da análise da prontidão for respeitado. A abordagem de desenvolvimento dessa capacidade a partir da perspectiva física integrada ao psíquico demonstra a possibilidade de que o processo se dê de forma respeitosa e fluida. Dessa forma, suas etapas, desafios e encantamentos podem ser vivenciados com mais naturalidade e desfrute pelo aluno e pelo professor.

Embora muitos estudiosos afirmem que a leitura é uma aquisição recente na evolução humana para a qual o cérebro, apesar de adaptado, não está especificamente preparado – como ele o é para a linguagem oral – o palestrante demonstrou que a avaliação e o desenvolvimento da prontidão para a alfabetização potencializam a abertura neural, motora e cognitiva para a apreensão dessa capacidade. Inclusive porque, como o próprio palestrante colocou, há no homem uma espécie de “avidez” anímica e espiritual natural pela aquisição da leitura e da escrita, que se revela durante o processo de maturação humana e se reflete no desenvolvimento da humanidade.

Darlan Schottz Ferreira, médico atuante nas áreas de Clínica Geral e Medicina Escolar, através dos princípios da Medicina Antroposófica e da Pedagogia Waldorf